Processo de Construção Remota do Plano de Ação Nacional para Conservação dos Insetos Polinizadores Ameaçados de Extinção
Hannah Cascelli Farinasso1, Lucas Benicio de Castro2, André Rodrigo Rech2, Helder Canto Resende3, Cintia Lepesqueur4,
Ana Carolina Moreira Martins4, Walter Steenbock5, Juliana Hipólito6, Favízia Freitas de Oliveira6 e Onildo J Marini-Filho1
Recebido em 30/05/2022 – Aceito em 24/04/2023
1 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade/ICMBio, Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade do Cerrado e Restauração Ecológica/CBC, Brasília/DF, Brasil. CEP: 70.635-800. <hannahcascelli@gmail.com, onildo.marini-filho@icmbio.gov.br>.
* Contato principal.
2 Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri/UFVJM, Centro de Estudos Avançados no Funcionamento de Sistemas Ecológicos e Interações/CAFESIN-MULTIFLOR, Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, Montes Claros/MG, Brasil. CEP: 39.100-000. <lucasbeniciosid@gmail.com, andrerodrigorech@gmail.com>.
3 Universidade Federal de Viçosa/UFV, Laboratório de Genética da Conservação/LaBee, Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde, campus Florestal. Florestal/MG, Brasil. CEP: 35.690-000. <helder.resende@ufv.br >.
4 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade/ICMBio, Coordenação de Identificação e Planejamento de Ações para Conservação/COPAN, Brasília/DF, Brasil. CEP: 70.670-350. <bioclg@gmail.com, martins79.ana@gmail.com>.
5 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade/ICMBio, Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Sudeste e Sul/CEPSUL, Itajaí/SC, Brasil. CEP: 88.301-445. <walter.steenbock@icmbio.gov.br>.
6 Universidade Federal da Bahia/UFBA, Instituto de Biologia, Salvador/BA, Brasil. CEP: 40.170-115. <juhipolito@gmail.com, favosgyrl@gmail.com>.
RESUMO – Os planos de ação nacional (PANs) constituem importantes instrumentos para a conservação da biodiversidade ameaçada de extinção. Este trabalho objetiva analisar o processo de elaboração do PAN Insetos Polinizadores, realizado em formato virtual, pela primeira vez no contexto dos PANs (devido às restrições sanitárias do período da pandemia de Covid-19). Especificamente, buscamos responder às seguintes perguntas: 1) Quais as adaptações desenvolvidas para a metodologia virtual? 2) Quais os resultados alcançados pela construção remota? 3) Quais as vantagens e desvantagens do uso do ambiente virtual? 4) Como as lições aprendidas com o formato virtual podem contribuir para os próximos PANs? A metodologia desenvolvida se baseou em reuniões online e atividades assíncronas, utilizando ferramentas como formulários, quadro digital e planilhas compartilhadas. Após as reuniões, foram aplicados formulários de avaliação visando coletar impressões dos participantes e sugerir melhorias no método. No geral, o formato virtual foi bem aceito por parte dos participantes e foi possível atender aos requisitos para a validação do Plano. A participação de uma equipe de apoio com experiência em PANs e com disponibilidade para a preparação do material para os encontros virtuais mostrou-se indispensável durante todo o processo para alcançar os objetivos. O formato virtual trouxe vantagens, como menor custo, maior número de colaboradores (homens e mulheres) e objetividade em relação ao uso do tempo. Como desvantagens, observou-se menor envolvimento dos participantes e dinâmicas de facilitação menos enriquecedoras. Vale destacar que o modelo virtual aqui desenvolvido para a elaboração de PANs pode ser utilizado ou adaptado para PANs futuros.
Palavras-chave: Oficinas virtuais; políticas públicas; invertebrados terrestres.
Remote Construction Process of the National Action Plan for the Conservation of Endangered Pollinating Insects
ABSTRACT – The national action plans (PANs) are an important tool for biodiversity conservation of endangered fauna. This work aims to analyze the process of elaboration of the PAN Insect Pollinators, carried out in a virtual format for the first time, in the context of the PANs (due to health restrictions during the period of the Covid-19 pandemic). Specifically, we seek to answer the following questions: 1) What adaptations were developed for the virtual methodology? 2) What results were achieved by remote construction? 3) What are the advantages and disadvantages of the virtual environment? 4) How can the virtual format contribute to the next PANs? The methodology was based on online meetings and asynchronous activities, using tools such as forms, digital whiteboards, and shared spreadsheets. After the meetings, evaluation forms were applied to collect the participants’ impressions and suggestions of improvements to the method. Overall, the virtual format was well accepted by the participants and it was possible to meet the requirements for the Plan’s validation. The participation of a support team with experience in PANs and the availability to prepare the material for virtual meetings proved to be indispensable to achieve the objectives. The virtual format brought advantages, such as low cost, a larger number of contributors, and objectivity regarding the use of time. As disadvantages, we observed less involvement from the participants and less enriching facilitation dynamics. It is worth mentioning that the virtual model developed here for the elaboration of PANs can be used or adapted for future PANs.
Keywords: Virtual workshops; public policies; terrestrial invertebrates.
Proceso de Construcción a Distancia del Plan de Acción Nacional para la Conservación de los Insectos Polinizadores Amenazados
RESUMEN – Los planes de acción nacionales (PANs) son importantes herramientas de conservación de la biodiversidad para la fauna amenazada. Este trabajo pretende analizar el proceso de elaboración del PAN Insectos Polinizadores, realizado en formato virtual por primera vez en el contexto de los PAN elaborados por ICMBio, (debido a restricciones sanitarias durante el periodo de pandemia COVID-19). Buscamos responder a las siguientes preguntas: 1) ¿Qué adaptaciones fueron desarrolladas para la metodología virtual? 2) ¿Qué resultados fueron alcanzados por la construcción remota? 3) ¿Cuáles son las ventajas y desventajas del ambiente virtual? 4) ¿Cómo puede contribuir el formato virtual a los próximos PAN? La metodología se basó en reuniones en línea y actividades asíncronas, utilizando herramientas como formularios, pizarras digitales y hojas de cálculo compartidas. Se aplicaron formularios de evaluación para recoger las impresiones de los participantes y proponer mejoras en el método. En general, el formato virtual fue bien aceptado por los participantes y se pudieron cumplir los requisitos para la posterior validación del Plan. La participación de un equipo de apoyo con experiencia en PAN y disponibilidad para preparar el material de las reuniones resultaron esenciales para alcanzar los resultados. El formato virtual aportó ventajas, como un coste bajo, mayor número de colaboradores (incluyendo hombres y mujeres) y objetividad. Como desventajas del modelo virtual, se observó una menor implicación de los participantes y dinámicas de facilitación menos enriquecedoras. Cabe mencionar que el modelo virtual aquí desarrollado para la elaboración de los PAN puede ser utilizado o adaptado a futuros PANs.
Palabras clave: Talleres virtuales; politicas publicas; inviertebrados terrestres.
Introdução
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) utiliza os planos de ação nacional para conservação de espécies ameaçadas de extinção (PANs) como uma de suas principais ferramentas para definição de estratégias de conservação das espécies brasileiras ameaçadas de extinção. Os PANs são instrumentos de gestão e de políticas públicas do governo brasileiro para responder à crise de extinção de espécies e atender aos compromissos globais de conservação da biodiversidade. O processo de elaboração do PAN é realizado com a participação e colaboração dos diversos atores (sociedade civil, organizações não governamentais, academia, povos e comunidades tradicionais, setor privado e poder público) envolvidos em sua temática. Todas as etapas de elaboração e gestão dos PANs seguem a metodologia publicada no livro PAN – Elabore, Monitore e Avalie, um Guia para Gestão de Planos de Ação Nacional para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (ICMBio, 2018). Por meio dos PANs são definidas ações prioritárias para combater as ameaças que colocam em risco as espécies e seus ambientes naturais, bem como a integração de várias estratégias e políticas públicas que visam a melhoria do estado de conservação das espécies, com as ações implementadas por múltiplos atores da sociedade.
O ICMBio conta atualmente (maio/2022) com 48 PANs em execução, contemplando 884 das 1173 espécies ameaçadas de extinção (75%) (MMA, 2014a; MMA, 2014b). Dentre as espécies ameaçadas que não estão contempladas em PANs, 21% (228) constituem invertebrados terrestres. Nesse contexto, o Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Insetos Polinizadores Ameaçados de Extinção (PAN Insetos Polinizadores) foi concebido para tratar da conservação de parte desses invertebrados, em especial, as espécies de insetos polinizadores ameaçados das ordens Lepidoptera (borboletas e mariposas) e Hymenoptera (abelhas, vespas e formigas).
Muito tem sido discutido sobre a importância dos polinizadores para a conservação ambiental e produção de alimentos em todo o mundo (IBPES, 2016). Sabemos que os polinizadores se encontram em declínio principalmente por ações antrópicas relacionadas à mudança do uso e gestão da terra (Potts et al., 2010). Quanto maior a intensidade do uso da terra, mais os polinizadores são negativamente afetados, com maior pressão sobre as populações tropicais dos táxons Hymenoptera e Lepidoptera (Millard et al., 2021). Para além das consequências incalculáveis com a perda de espécies e as razões éticas para preservação de todas as formas de vida (Gamborg et al., 2012), o potencial que o declínio de polinizadores tem em afetar a produção de alimentos é grande, pois cerca de um terço da produção agrícola global depende da polinização animal (Klein et al., 2007). Mesmo com a presença de polinizadores manejados, a diversidade de polinizadores nativos é essencial para a permanência deste serviço ecossistêmico (Garibaldi et al., 2013; IPBES, 2016). Tal discussão tem motivado a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) a indicar estratégias para minimizar os impactos das pressões antrópicas sobre a fauna mundial de polinizadores, promovendo ações de conservação e divulgação da importância desses organismos para a agricultura (FAO, 2008). Ainda assim, são necessárias ações principalmente nacionais para reverter esse cenário de perda de polinizadores, através de estratégias efetivas e pensadas que levem à proteção e promoção destes para assegurar o bem-estar humano e o equilíbrio ecológico.
Até o momento, a maior parte das políticas públicas de proteção aos polinizadores é restritiva e não inclui a totalidade dos polinizadores potenciais existentes (Hipólito et al., 2021). No entanto, devido à falta de recursos e à necessidade de priorização das ações de conservação, as políticas de proteção que considerem as espécies raras e ameaçadas de extinção se tornam o principal grupo focal (Senapathi et al., 2015). Essas medidas protetivas seguramente terão repercussão geral para a proteção da biodiversidade de polinizadores como um todo, mas, dadas as peculiaridades de algumas espécies ameaçadas e as ameaças às quais estão submetidas, há necessidade de estratégias de conservação particulares para cada uma delas. No grande grupo dos insetos, os organismos têm requerimentos ambientais e comportamentais distintos, assim abelhas não utilizam o ambiente da mesma forma que as borboletas por exemplo. Até dentro de um mesmo grupo encontramos diferenças, por exemplo, abelhas como Arhysosage cactorum Moure, 1999 que nidificam em solo diferentemente das Melipona capixaba Moure e Camargo 1994, que nidificam em cavidades pré-existentes e, dessa forma, estratégias que contemplem a grande diversidade de uso dos recursos e interações por parte desses organismos ameaçados são de extrema importância para a conservação da biodiversidade. É com esse enfoque que o PAN Insetos Polinizadores se propõe a atuar.
O plano tem abrangência nacional e é coordenado pelo ICMBio, contando com apoio de uma ampla rede de colaboradores que envolve acadêmicos, sociedade civil organizada e o setor produtivo diretamente relacionado aos polinizadores. A elaboração do PAN Insetos Polinizadores iniciou-se em 2019, com uma reunião preparatória presencial, para levanta-mento de dados relevantes à construção do PAN. Foram compilados a abrangência e o recorte geográfico, a lista de espécies e seus ambientes, as ameaças às espécies e aos ambientes, os colaboradores importantes e as questões logísticas das oficinas de planejamento do PAN, conforme ICMBio (2018). No entanto, as etapas seguintes da elaboração do PAN foram afetadas pela declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN - Decreto Legislativo nº ٦, de ٢٠ de março de ٢٠٢٠) em decorrência da epidemia do Coronavírus (2019-nCoV). A pandemia impossibilitou quaisquer arranjos presenciais, e diante desse contexto, optou-se por dar continuidade à elaboração do PAN Insetos Polinizadores adaptando a metodologia presencial ao uso das ferramentas virtuais de colaboração disponíveis.
O PAN Insetos Polinizadores foi o primeiro PAN a ser elaborado utilizando-se etapas em formato virtual, dentro do cenário atual dos PANs coordenados pelo ICMBio. Dessa forma, o presente artigo objetiva analisar o processo de construção do PAN Insetos Polinizadores, buscando responder às seguintes perguntas: 1) Quais as adaptações desenvolvidas para a metodologia virtual? 2) Quais os resultados alcançados pela construção remota? 3) Quais vantagens e desvantagens do ambiente virtual? 4) Como as lições aprendidas com o formato virtual podem contribuir para os próximos PANs?
Materiais e Métodos
Metodologia dos PANs
O ICMBio publicou, em 2018, um guia detalhado sobre os procedimentos de elaboração, monitoria, avaliação e gestão dos PANs (Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/docs-plano-de-acao-ARQUIVO/00-saiba-mais/PAN_-_elabore_-_monitore_-_avalie_2018-v2.pdf). Esse documento apresenta os conceitos e metodologias de planejamento e gestão dos PANs e traz também o papel dos diversos atores envolvidos nesse processo: articulador, colaborador e membros do Grupo de Assessoramento Técnico (GAT) e coordenador do PAN. Articulador é a pessoa responsável por fazer a ação acontecer, entretanto a execução das ações é uma tarefa compartilhada com os colabora-dores. As principais atribuições do articulador são manter contato com os colaboradores, buscar parcerias e recursos para a implementação do PAN, e levantar informações das ações realizadas pelos colaboradores para enviar ao GAT e coordenador do PAN. Colaborador é a pessoa ou instituição co-responsável pela execução da ação, que auxilia nas diferentes etapas de sua implementação, e as principais atribuições são: executar a ação, atuar em diferentes etapas da implementação da ação e informar o articulador sobre o andamento da ação. Os membros do GAT acompanham, monitoram, avaliam e auxiliam na implementação do PAN durante todo o seu ciclo de vigência, atuando como representante dos participantes da oficina de planejamento. O GAT é formado por membros convidados de diferentes organizações e coordenado por um servidor do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação (CNPC). O coordenador do PAN é o principal responsável pelo plano, sendo proximamente auxiliado pelos representantes regionais e estes pelos articuladores de ações.
As ações propostas devem estar situadas dentro da esfera de atribuições e competências dos participantes da oficina de planejamento, e incluem desde simples articulações entre instituições até projetos complexos de manejo e restauração de habitat. Nesse contexto, os atores possuem conhecimento e envolvimento relevantes relacionados ao foco de conservação do PAN ou às ameaças previamente levantadas (ICMBio, 2018). Na metodologia dos PANs, as ações estão organizadas dentro de objetivos específicos (OEs). Os OEs são os resultados intermediários para a redução ou supressão das ameaças ao foco de conservação, devendo ser exequíveis e passíveis de aferição dentro do ciclo de vigência do PAN, contribuindo decisivamente para alcançar o objetivo geral (ICMBio, 2018). De acordo com o guia, a elaboração de um PAN se faz em três etapas: 1) reunião inicial, que pode ser virtual ou presencial, com um número reduzido de participantes que farão o alinhamento interno de questões básicas sobre o PAN a ser elaborado, como recorte, lista prévia de espécies e ambientes, organização da Reunião Preparatória, entre outros; 2) reunião preparatória, para levantamento de dados relevantes do PAN, tais como abrangência geográfica do PAN, lista de espécies e ambientes foco, ameaças às espécies e ambientes, lista de participantes e questões logísticas da oficina de planejamento, entre outros; e 3) oficina de planejamento, considerada como a principal e maior oficina do PAN, tradicionalmente em formato presencial, com envolvimento de atores relevantes, onde os objetivos, as ações e o GAT são definidos de maneira participativa. Nessa oficina, a matriz de planejamento (planilha Excel) é construída e são detalhadas as ações de conservação a serem realizadas para o alcance dos OEs do PAN.
Contexto da construção do PAN Insetos Polinizadores
Na elaboração do PAN Insetos Polinizadores, a reunião inicial e a reunião preparatória ocorreram presencialmente. A reunião inicial foi realizada em 17 de outubro de 2019 pela equipe do ICMBio (DIBIO, COPAN e CBC), que definiu o escopo geral do PAN. A reunião preparatória foi realizada nos dias 26 e 27 de novembro de 2019, em Brasília/DF, contando com a participação de colaboradores convidados por sua representatividade no âmbito do PAN. Para maior equilíbrio dos setores, os atores foram categorizados da seguinte forma: academia, órgãos estaduais, órgãos federais, setor privado/produtivo, sociedade civil organizada e ONGs, e unidades de conservação (UCs).
Durante a oficina preparatória, foi elaborada uma lista prévia contendo 55 espécies de insetos potencialmente polinizadores ameaçados a nível Nacional (abelhas, borboletas e mariposas Sphingidae) para ser validada pelos especialistas. Adicionalmente, foram incorporadas mais quinze espécies nessa lista, sendo: duas espécies de abelhas constantes na lista oficial das espécies ameaçadas de extinção do estado da Bahia; duas abelhas e um esfingídeo pertencentes à categoria de Quase Ameaçada (NT); e 10 espécies de borboletas indicadas para serem incluídas na atualização da Lista Oficial de Espécies Ameaçadas de Extinção. A lista final totalizou 70 espécies-alvo, com distribuição geográfica por todo território nacional, em cinco biomas.
Considerando o grande número de espécies contempladas e a abrangência nacional do PAN, optou-se por criar núcleos gestores (NGs) para facilitar a articulação regional na implementação das ações. Foram propostos sete NGs (Figura 1), conforme aspectos biogeográficos das espécies-alvo do PAN e as redes regionais de colaboradores envolvidos com a temática. Dessa forma, buscou-se organizar os grupos de implementação para promover maior colaboração regional, melhor entendimento das ameaças e definição de estratégias de combate necessárias e, consequentemente, maior envolvimento das redes locais de colaboração.
Adaptação das oficinas de planejamento para o formato remoto
Para as oficinas virtuais de planejamento, constituiu-se uma equipe de apoio do PAN, composta por um responsável (o próprio coordenador do PAN), equipe de apoio técnico (COPAN e bolsista contratada) e equipe de facilitação (COPAN e CEPSUL). A equipe, com ampla experiência em elaboração e facilitação de oficinas presenciais de PAN, reuniu-se inúmeras vezes para discutir a metodologia a ser utilizada nas oficinas virtuais. Assim, a partir da metodolo-gia já amplamente utilizada para a elaboração de PANs pelo ICMBio, foram estabelecidas orientações gerais para o desenvolvimento das oficinas remotas (Tabela 1). As orientações tinham o intuito de promover a adaptação do método para o ambiente virtual, propondo reuniões que não fossem longas e repetitivas ao longo da semana, além de ajustes no fluxo de trabalho, buscando otimizar o tempo dedicado na oficina e recorrendo com mais frequência às atividades assíncronas (Tabela 1).
Análise das enquetes realizadas
A cada fase realizada na construção do PAN foram promovidas enquetes de avaliação junto aos participantes, através do aplicativo Google Forms. Essas avaliações procuravam feedbacks dos participantes sobre a elaboração do PAN de forma remota, proposto pela primeira vez em contexto de PANs na fase de elaboração. Além disso, a aplicação dos questionários também visou coletar informações de áreas que precisavam de atenção e sugestões de melhorias. A equipe de apoio do PAN Insetos Polinizadores realizou uma análise de conteúdo para identificar os pontos recorrentes nas falas dos participantes, e avaliou as respostas das enquetes para refletir sobre as vantagens e desvantagens do ambiente virtual na gestão do processo.
Resultados
Atores do processo de elaboração virtual do PAN
Diversos atores na abrangência do PAN e de diferentes setores da sociedade participaram das oficinas de planejamento virtuais. Com a possibilidade proporcionada pelo ambiente virtual de se incluir mais colaboradores sem adição de custos, realizaram-se esforços para levantamento de atores de diversos setores da sociedade. Ao todo, foram convidados 579 atores, sendo que 277 participaram de alguma atividade do PAN (oficina de planejamento e/ou colaboração na matriz de planejamento) (Figura 2). Ao longo do PAN, o setor que mais participou da elaboração foi a academia. A participação dos Órgãos Estaduais de Meio Ambiente (OEMAs) e dos órgãos federais também foi expressiva (Figura 2). Os setores com menor participação corresponderam às unidades de conservação (UCs) e ao setor produtivo/privado. A sociedade civil organizada e as ONGs também participaram em menor escala.
Oficinas remotas de planejamento
As oficinas de planejamento virtuais do PAN Insetos Polinizadores foram divididas em duas fases, a primeira de abrangência regional a cada núcleo gestor (NG), e a segunda, de abrangência nacional, com participação de todos os NGs. A síntese das oficinas de elaboração está esquematizada no infográfico (Figura 3). O primeiro NG a ter oficinas virtuais foi o NG4 por ser relativamente menos complexo (menor tamanho, abrangendo somente dois estados). Essa primeira experiência foi utilizada pela equipe do PAN para a formatação e proposição do modelo das oficinas de elaboração virtuais que foram aplicadas aos demais NGs. Para as oficinas de planejamento junto aos NGs, adotou-se como base a lista de espécies-alvo proposta na oficina preparatória, e depois selecionadas as espécies que ocorrem no NG. Para a listagem, foram consultados especialistas e mapas de distribuição das espécies obtidos no Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (SALVE/ICMBio – Disponível em: https://salve.icmbio.gov.br/salve-consulta/). Adicionalmente, também foi proposto revisar as listas oficiais vigentes no nível estadual para espécies ameaçadas de extinção na área de abrangência do PAN, para um possível alinhamento do grupo com os estados e possíveis inclusões no PAN. Ao longo das oficinas de planejamento virtuais, a elaboração do PAN contou com cerca de 215 participantes de 124 instituições. Entre março de 2020 e março de 2021, realizaram-se 23 oficinas para definir as ameaças prioritárias e os objetivos geral e específicos com cada um dos sete NGs que formam a rede do PAN. Na primeira fase de elaboração regional, foram propostas três oficinas para cada NG, sendo as oficinas divididas em etapas, conforme a numeração do infográfico (Figura 3A). Nessa primeira fase, cada oficina previa duas etapas.
Na primeira etapa, foi realizado o nivelamento dos participantes, onde ocorreu a explicação sobre a ferramenta PAN e foram dadas informações sobre o PAN Insetos Polinizadores (como lista de espécies, ameaças e abrangência geográfica). Na etapa 2 da oficina, ocorreu a discussão das ameaças, que foram levantadas com base nas fichas de avaliação do risco de extinção das espécies, relacionadas às espécies-alvo, e obtidas no SALVE/ICMBio. No intervalo entre a primeira e segunda oficinas, foram aplicados dois formulários online para contribuições assíncronas: de textos para objetivos geral e visão de futuro, e para priorização das ameaças discutidas durante a oficina, utilizando-se um sistema de votação baseado no diagrama de Pareto ou matriz de preferência (Geilfus, 2002; Steenbock e Medeiros, 2017) (Figura 3A, etapa 3). Esse método consiste na atribuição de um número definido de pontos a serem utilizados por cada participante similar ao número de ameaças existentes. Nessas votações, os participantes são estimulados a escolher as ameaças mais relevantes atribuindo livremente os pontos às ameaças. O método de priorização atribui o mesmo peso para todos os participantes, evitando, assim, que alguns tenham mais votos do que outros. A priorização leva em conta quais ameaças são as mais estratégicas em relação à governança e à capacidade de recursos humanos para desenvolver ações, em especial considerando que o PAN tem um ciclo de vigência de cinco anos. Além disso, as ameaças mais urgentes devem ser combatidas primeiro e as ações devem ser factíveis dentro do período de vigência do PAN.
Para as etapas 3 e 4 (Figura 3A), a equipe de apoio do PAN sistematizou as respostas dos formulários, e levou propostas a serem discutidas e validadas pelo grupo. Para a etapa 3, foram apresentadas aos participantes as ameaças com maior pontuação e foi proposta uma linha de corte, separando as ameaças mais pontuadas das demais. Na etapa 4, a equipe de facilitação realizou a leitura das contribuições, e exibiu os textos divididos em cores temáticas e suas legendas, como: risco de extinção; mitigar/reduzir ameaças; conservação; envolvimento/integração social, de forma a auxiliar a redação do texto. Ao final da oficina, como encaminhamento, os participantes deviam preencher um terceiro formulário para sugestões de textos de objetivos específicos (OEs).
Nas etapas 5 e 6 (Figura 3A), o grupo definiu os textos de OEs e iniciou o “Cardápio de Ações”. A dinâmica da etapa 5 ocorreu de forma semelhante à da etapa 4: textos em cores e legendas, separando trechos semelhantes a OEs dos trechos semelhantes a ações, esses últimos mais detalhados que seriam os “meios”. Para os textos que se assemelhavam a ações, a equipe do PAN propôs a compilação em um documento compartilhado em nuvem, chamado de “Cardápio de Ações”. Esse documento propunha levar as sugestões e ideias dos participantes de ações de conservação que surgiram durante as oficinas com os NGs para as oficinas de definições de ações futuras. Ao final da oficina, foram indicados representantes regionais que acompanham o trabalho do próprio grupo e dos demais NGs, auxiliando na próxima fase de consolidação (Figura 3B).
Nessa primeira fase de elaboração, todos os NGs tiveram três oficinas (Tabela 2), exceto o NG4 e o NG7 que tiveram quatro oficinas. O NG4 foi o primeiro a ser testado para a metodologia virtual enquanto o NG7 teve uma maior quantidade de ameaças a serem discutidas. Em ambos os casos, o grupo concordou em participar de uma oficina extra, pois não houve tempo suficiente para resolver todas as questões na terceira oficina. No geral, houve maior número de participantes nos NG5, NG6 e NG7 nas oficinas virtuais.
Na segunda fase de elaboração, (abril a agosto/2021), buscou-se consolidar os resultados obtidos nos sete NGs em um formato unificado de PAN (Fig. 3B). Para a preparação das oficinas de consolidação, de forma assíncrona, a equipe de apoio do PAN trabalhou na compilação e análise do material produzido na primeira fase com os NGs, e na elaboração de propostas de objetivo geral e objetivos específicos, e visão de futuro, a serem trabalhadas e validadas pelo grupo. A equipe de apoio do PAN também avaliou as propostas do “Cardápio de Ações”, considerando a adequação ao escopo do PAN e a redundância entre as ações, e elaborou a síntese dessas ações. Dessa forma, os resultados das atividades da primeira fase com os NGs foram levados às oficinas seguintes servindo como base para a discussão. Foram propostas duas oficinas para a consolidação do objetivo geral, visão de futuro e objetivos específicos, com os representantes regionais dos NGs definidos anteriormente na etapa 6 (Figura 3). Durante as dinâmicas das oficinas de consolidação com os representantes regionais (Figura 3B, etapas 7 e 8), foram utilizadas nuvens de palavras da ferramenta Voyant Tools/Cirrus, com o material sistematizado dos NGs, de forma a auxiliar as discussões coletivas.
Posteriormente, os participantes de todos os NGs e colaboradores com atuação nacional foram convidados para a definição das ações e início do preenchimento da matriz de planejamento. Foi proposta a inserção de novos atores com atuação nacional na etapa final de consolidação, visando parcerias para a articulação e implementação das ações, ocorrendo assim, um novo nivelamento com todos (Figura 3B, etapa 9). As oficinas relacionadas à consolidação das ações de conservação tiveram mais participantes (Tabela 2). Isso se deveu ao fato de que todos os participantes dos NGs foram convidados para unificar o Plano e devido à necessidade de ter participantes suficientes para atender à dinâmica de divisão de salas, em que cada sala temática deveria abarcar um número razoável de participantes para as discussões, idealmente de 20 a 30 pessoas por sala (etapas 10 e 11). Os participantes foram divididos em salas temáticas, considerando os seguintes critérios: preferência espontânea pela temática da sala, equilíbrio no número de participantes, diversidade de setores (academia, órgãos federais, ONGs, entre outros) e diversidades de NGs. Para coletar a preferência dos participantes, foi compartilhada uma planilha para preenchimento, solicitando a primeira e segunda opções de sala. As salas temáticas correspondiam às ameaças priorizadas que são refletidas nos OEs do PAN, e quando possível, ameaças relacionadas foram discutidas em uma mesma sala temática. Realizaram-se discussões em sete salas temáticas: 1. Agrotóxicos; 2. Fragmentação e degradação de habitat; 3. Monocultura, pecuária e extração de produtos madeireiros; 4. Urbanização; 5. Queimadas e mudanças climáticas; 6. Manejo de abelhas-sem-ferrão; e 7. Espécies exóticas invasoras (EEI). Na maior parte das salas não foi possível alcançar o número ideal de participantes, mesmo após os esforços da equipe do PAN em convidar mais de 400 atores para as oficinas de consolidação. Observou-se uma preferência dos participantes por temas relacionados à fragmentação de habitat e ao manejo de abelhas, com uma quantidade maior de participantes nessas salas.
Para as etapas 10 e 11 (Figura 3B), a dinâmica ocorreu através do Google Jamboard. Na etapa 10 foi proposta a discussão das ações por eixos temáticos (ex. fiscalização, educação ambiental, pesquisa, etc). Foram expostas as seguintes perguntas aos participantes: o texto da ação está claro? A ação está direcionada a combater ou reduzir as ameaças identificadas? A ação está na governança do PAN? Utilizou-se uma legenda de cores para as tarjetas: rosa (revisar), laranja (excluir), amarela (OK), e verde (novas ações). Também se incluiu uma legenda para nomes de articulador e colaborador. Para a etapa 11, transcreveram-se as informações do Jamboard para a matriz de planejamento, dando início ao seu preenchimento. Para essa fase, previu-se o início do preenchimento da matriz de planejamento, porém, na maioria das salas temáticas não houve tempo hábil para prosseguir com a dinâmica, resultando em apenas poucos campos preenchidos em grupo na matriz de planejamento. Na última etapa (Figura 3B, etapa 12), avaliou-se o processo como um todo, pontos faltantes da matriz de planejamento e foram indicados os representantes do GAT.
Durante toda a fase de elaboração final (Figura 3B, etapas 11 e 13), a matriz de planejamento esteve disponível online para colaborações assíncronas no período de agosto/2021 a fevereiro/2022. Foi solicitado o preenchimento das informações ausentes ou incompletas, a indicação de dúvidas, foram feitas verificações, correções e análises de sobreposição de ações e avaliação da governabilidade das ações pelo PAN. A coordenação e os participantes articularam conjuntamente para a ampliação da rede de colaboradores do PAN. Ainda nessa etapa, buscaram-se nomes para articulação de ações e colaboradores dos diferentes NGs, atores nacionais e internos ao ICMBio.
Produtos obtidos durante a elaboração virtual do PAN Insetos Polinizadores
A maior parte do processo de elaboração do PAN ocorreu de forma remota, com os principais produtos desenvolvidos em ambiente virtual (Figura 4). Durante as oficinas virtuais, a visão de futuro do PAN, o objetivo geral e objetivos específicos e as ações do PAN foram definidos de forma participativa. Também, os membros do GAT foram indicados, sendo que participantes de diferentes setores manifestaram interesse em compor o grupo. A lista de espécies-alvo do PAN foi revisada e atualizada durante o processo de elaboração virtual. Espécies ameaçadas no nível estadual foram incluídas como objeto do PAN, desde que confirmado o interesse dos órgãos estaduais de meio ambiente em assumir a implementação das ações associadas a elas. Outras espécies também foram revistas, considerando consulta a especialistas e confirmações ou indícios de a espécie ser polinizadora (ex. espécie nectarívora).
A matriz de planejamento do PAN foi consolidada pela equipe de apoio do PAN e permaneceu compartilhada com os colaboradores na nuvem para contribuições. Ao longo da rodada virtual, foi necessária a revisão de ações, pela equipe do PAN e pelos próprios participantes, pois algumas delas estavam sobrepostas. Ao final da rodada virtual da matriz, menos de 60% das ações propostas possuíam articulador definido. Após a prorrogação da rodada virtual e com esforços contínuos da equipe de apoio do PAN e de colaboradores envolvidos, conseguiu-se articuladores para cerca de 75% das ações (Figura 5). Dessa forma, a matriz de planejamento do PAN apresentou a confirmação de 58 articuladores individuais de 44 instituições e cerca de 165 colaboradores, oriundos de 106 diferentes instituições. Ao final do processo, 80 ações foram encaminhadas para a validação interna no ICMBio para posterior publicação e o total de 25 ações não puderam ser encaminhadas por falta de articulador. A equipe do PAN ressaltou que novas ações podem ser inseridas em etapas futuras do ciclo de vigência do PAN e novos atores podem ser inseridos ao longo de todo processo.
Prós e contras das oficinas
presenciais vs. remotas
A análise de conteúdo das enquetes aplicadas pela equipe do PAN revelou pontos positivos e negativos de ambos os métodos que foram destacados pelos participantes em relação à realização do PAN (Tabela 3 e 4). Ao todo, foram avaliadas as respostas de 100 formulários. A avaliação das dinâmicas e técnicas online pelos participantes variou de ótima a razoável, sendo mais relatada como “ótima” (Tabela 4). Nos formulários, o item mais bem avaliado pelos participantes foi a atuação da equipe de facilitação; analogamente, muitos elogios foram realizados à equipe de apoio do PAN. A organização e logística nas oficinas também foi bem avaliada pelos participantes, sendo predominantemente “ótima” (Tabela 3). Já para a autoavaliação dos próprios participantes, a atuação indicada como “boa” foi a mais frequente; neste item, chama a atenção avaliações na categoria “ruim”, não encontrada nas demais perguntas do questionário. Para os participantes que tiveram experiência presencial com PANs, foi solicitado comentários sobre os prós e contras do novo modelo adotado (Tabela 4). A seguir, são dispostos três feedbacks de participantes que estiveram em ambas as fases de elaboração virtual do PAN:
“O formato virtual possibilitou a presença de mais pessoas e de diferentes locais nas oficinas, contudo, nem sempre, a participação é tão fluida. Mas, simultaneamente, houve espaço de tempo para contribuições por escrito aos documentos. Sinto que o formato virtual tem aspectos positivos mas não substitui, totalmente, as oficinas presenciais que possibilitam imersão e foco nos assuntos e mais trocas de experiências entre os participantes”.
“Considerando o formato virtual, foi empreendido o melhor esforço para a obtenção de um adequado. Entretanto, a ausência da discussão presencial traz prejuízos para a construção”.
“A dinâmica mostrou-se bastante eficiente e ágil. Creio que a experiência inspirará outros encontros e trabalhos e facilitará a participação economizando recursos”.
Na avaliação da própria equipe de apoio do PAN, a elaboração em formato virtual exigiu grande envolvimento das pessoas da equipe. Notou-se a necessidade de pessoas com formação, perfil e disponibilidade para a iniciativa de facilitação e preparação do material para as oficinas. Os facilitadores das oficinas também relataram maior dificuldade na moderação dos participantes no modelo online. Para a proposição de dinâmicas virtuais, a equipe de apoio teve dificuldades de adaptar as dinâmicas previstas no formato presencial para o virtual, especialmente na etapa de definição das ações (Figura 3B).
Até 2019, portanto antes da pandemia de Covid-19, todos os PANs foram elaborados em reuniões e oficinas presenciais. Mesmo já havendo ferramentas tecnológicas de informação e comuni-cação, tais reuniões exigiam o deslocamento de especialistas e atores de várias regiões do país para comparecer às reuniões presenciais, com um custo elevado, incluindo pagamento de passagens e diárias. Tais reuniões tinham alguns dias de duração, comportavam um número limitado de participantes, especialmente devido às limitações orçamentárias e logísticas, mas promoviam uma imersão e dedicação integral dos participantes naquele período de atividades.
O PAN Insetos Polinizadores foi a primeira experiência de elaboração de um plano de ação nacional de forma remota, apresentando novos desafios, vantagens e desvantagens quando comparado ao formato presencial. Esses desafios se relacionam especialmente ao uso das novas tecnologias de informação, instabilidade na conexão dos participantes à Internet, mediação da participação com um número elevado de participantes e comprometimento com as ativi-dades propostas de forma síncrona e assíncrona. Isso porque, com a forma remota de participação, as reuniões concorrem com outras atividades que podem tirar o foco do participante, tais como o uso do celular, notificações de mensagens, navegação em múltiplas janelas e outros afazeres domésticos ou de seu ambiente de trabalho (Gorlick, 2020).
A pandemia de Covid-19 trouxe um nível a mais de complexidade para o desafio de trabalhos remotos por um lado (teletrabalho ou home office) não sendo uma escolha planejada e sim a obrigação improvisada da transferência de todas as atividades para a residência das pessoas (OECD, 2020; Gorlick, 2020; Morikawa, 2020). Por outro lado, vale destacar que no início da pandemia muitos passaram por um período de maior produtividade e com menos atividades em seus trabalhos (ex. pesquisadores, professores no período em que as aulas ainda não estavam ocorrendo), embora com maior carga doméstica principalmente para as mulheres, mães de família. Posteriormente com aumento de demandas e atividades, o trabalho remoto tornou-se mais difícil, embora ainda factível. Ainda assim, trata-se de um modelo interessante em termos de possibilidade de interconexão de múltiplos agentes.
Das vantagens verificadas no formato remoto desse PAN, destaca-se a ampla participa-ção em sua elaboração, contando inicialmente com 215 participantes de 124 instituições de todo o país. Atualmente, com os colaboradores incluídos posteriormente, o número passou para 277, com uma proporção quase similar de homens e mulheres (138 mulheres e 139 homens). Essa enorme representatividade seria praticamente inviável de ser alcançada de forma presencial, com limitações logísticas, orçamentárias e pela dificuldade metodológica de execução. A forma remota se destaca ainda por ser mais econômica, com maior adesão de participantes e objetividade explícita para finalizar demandas durante as oficinas. Entretanto, percebeu-se uma menor interação pessoal entre os participantes, o que consequentemente diminui a troca de conhecimentos que é tão essencial na tomada de decisões demandando que outras formas de interação sejam pensadas para o funcionamento efetivo do trabalho em grupos online (Blanchard, 2021).
É importante considerar, ainda, que a metodologia remota em etapas síncronas e assíncronas, individuais e coletivas, permitiu um intervalo de amadurecimento das ideias, dos conceitos e das estratégias em construção, bem como articulações entre os participantes e entre estes e outros colaboradores. Durante o período de elaboração, em cada NG, surgiram várias propostas de ações, que foram resgatadas nas oficinas de consolidação. Esse processo consumiu cerca de dois anos, tempo compatível com as dificuldades encontradas que exigiram a adaptação do formato e o desenvolvimento de novas metodologias. Avalia-se que o tempo de desenvolvimento foi similar ao que é de costume no desenvolvimento de PANs de forma presencial, principalmente tomando em conta o número de participantes no processo.
Assim, a metodologia de elaboração do PAN Insetos Polinizadores refletiu em um baixíssimo custo de implementação (virtualmente, apenas os custos de horas de trabalho dos envolvidos nas oficinas), associado a uma ampla participação. Porém, mais do que isso, a possibilidade da elaboração em etapas permitiu que esta fosse gradativa e contínua, agregando contribuições individuais e coletivas sem a limitação de tempo, comum em oficinas presenciais. Permitiu, ao mesmo tempo, o envolvimento de vários atores a partir da articulação dos próprios participantes, em um movimento crescente e interativo de envolvimento. Dessa forma, otimizou-se a ampla participação e a construção coletiva do PAN, possibilitando uma apropriação da política pública durante sua própria elaboração. Este aspecto é de crucial importância, considerando que um dos principais problemas identificados na execução de outros PANs é a não apropriação ou institucionalização das ações propostas (Vercillo, 2021).
Pode-se considerar que essa primeira experiência de elaboração de um PAN no formato remoto foi exitosa, trazendo os resultados espera-dos e apresentados na matriz de planejamento a ser publicada, bem como um efetivo envolvimento de articuladores, permitindo que 75% das ações consolidadas estivessem aptas para validação interna. Foi notório que tal êxito só foi alcançado devido ao amplo envolvimento e participação ativa da equipe de apoio do PAN no âmbito dos colaboradores da equipe do ICMBio, tanto na preparação de material de apoio e compilação de informações pré-oficinas, nivelamento conceitual, metodológico e do contexto do PAN e moderação durante as oficinas, bem como na síntese de documentos e proposta pós-oficinas.
Conclusão
Visando uma ampla participação com reduzido custo, o formato remoto de elaboração do PAN aqui descrito apresentou mais vantagens do que desvantagens. Esse formato de elaboração poderá ser adotado por outros PANs no futuro, principalmente se houver escassez de recursos financeiros para a realização de reuniões presenciais e se for avaliado que a participação remota permitirá maior adesão de atores chave. O presente formato pode também servir de modelo e de experiência para uma futura atualização do documento PAN – Elabore, Monitore e Avalie (ICMBio, 2018), que possa abarcar dinâmicas remotas de elaboração, monitoramento e avaliação. Considerando os benefícios da interação social, da imersão e das trocas de conhecimento, possíveis em encontros presenciais, sugere-se a adoção de um formato híbrido. Essa metodologia é especialmente interessante de ser aplicada aos PANs que envolvam muitos atores, com uma ampla lista de espécies ameaçadas e com ocorrências geográficas em diversas regiões do país, como é o caso dos insetos polinizadores.
Agradecimentos
A toda a equipe técnica da Coordenação de Planos de Ação do ICMBio, especialmente Caren Dalmolin, pelas discussões durante o desenvolvimento do PAN Insetos Polinizadores. Também agradecemos à bolsista de geoprocessamento do PAN Insetos Polinizadores, Priscilla Barbosa Alcantara da Silva, pela elaboração do mapa da área de abrangência do PAN. O presente trabalho foi realizado com apoio do Projeto Estratégia Nacional para a Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção – Todos contra extinção (GEF Pró-Espécies), Projeto Áreas Marinhas e Costeiras Protegidas – GEF Mar, e com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Referências
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Decreto Legislativo nº ٦, de ٢٠ de março de ٢٠٢٠. Reconhece, para os fins do art. ٦٥ da Lei Complementar nº ١٠١, de ٤ de maio de ٢٠٠٠, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº ٩٣, de ١٨ de março de ٢٠٢٠.FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations). 2008. Pollination services for sustainable agriculture. Global Action on Pollination Services for Sustainable Agriculture. https://www.fao.org/publications/card/en/c/a72e3e63-0573-41b9-80ac-128e3a18f722/
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Steenbock W e Medeiros RP (orgs.). 2017. Manual de avaliação e monitoramento socioeconômico para a gestão de recifes de coral. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. 274p.
Vercillo UE, 2021. Os Planos de Ação para Conservação de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção no Brasil: história e análise de resultados (2004-2019). Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável). Universidade de Brasília. 99p. Disponível em: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/41672/1/2021_UgoEichlerVercillo.pdf
Figura 1 – Mapa de regionalização do PAN Insetos Polinizadores em sete núcleos gestores (NGs) definidos durante a reunião preparatória realizada em Brasília/DF, em dezembro de 2019. A figura corresponde ao mapa da área de abrangência do PAN, atualizado em 2023. Fonte: PAN Insetos Polinizadores.
Tabela 1 – Orientações gerais levantadas pela equipe do PAN para a realização das oficinas de planejamento virtuais, em comparação com o modelo presencial.
Presencial |
Virtual |
|
Abrangência geográfica do PAN e organização da oficina |
Oficina nacional, com sugestão de, no máximo, 50 pessoas; oficinas regionais podem ser organizadas a depender do escopo e da abrangência geográfica do PAN |
Oficinas separadas por NGs; oficinas de consolidação com representantes de cada NG. Oficinas com número maior de participantes possibilitada pela divisão dos participantes em grupos (breakout rooms) |
Número de participantes |
Entre 15 e 30. No máximo 50 participantes |
Entre 25 a 50. No máximo 100 participantes |
Equipe de facilitação |
Para oficinas presenciais com até 50 participantes, é recomendado que haja, pelo menos, 2 facilitadores |
Em oficinas virtuais com 100 participantes, usando 4 salas temáticas, foram necessários 5 facilitadores |
Cronograma semanal |
Oficina com atividades ao longo de toda uma semana |
Oficinas espaçadas ao longo de um mês (preferencialmente uma ou duas oficinas por semana) |
Tempo de oficina |
Atividades em ambos os turnos matutino e vespertino |
Atividade em um turno somente (pela manhã ou pela tarde) |
Materiais |
Painéis de facilitação, cartazes, pincéis atômicos, planilhas, apresentações de slide |
Formulários, planilhas, salas e quadros virtuais, softwares interativos, apresentações de slide |
Atividades assíncronas |
Após a oficina |
Durante e após a oficina |
Fonte: PAN Insetos Polinizadores.
Figura 2 – Número de atores convidados dos diferentes setores da sociedade que participaram (em verde) e que não participaram (em vermelho) da elaboração virtual do PAN Insetos Polinizadores. Observação: dentro do setor produtivo foram consideradas associações e federações relacionadas com produção (ex.: associação de meliponicultores, produtores de café ou outras culturas agrícolas impactadas pela polinização). No setor de “sociedade civil organizada e ONGs”, foram incluídas as entidades relacionadas principalmente à conservação da biodiversidade. Fonte: PAN Insetos Polinizadores.
Figura 3 – Infográfico do processo de elaboração virtual do PAN Insetos Polinizadores. A numeração corresponde às etapas realizadas nas oficinas virtuais. Fonte: PAN Insetos Polinizadores.
Tabela 2 – Participação nas oficinas realizadas para definição do Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Insetos Polinizadores Ameaçados de Extinção.
Oficinas de planejamento |
Data |
Participantes (N) |
Instituições (N) |
Oficina preparatória |
26 e 27/11/2019 |
18 |
10 |
Oficinas de elaboração do NG4 |
25/3, 1/4, 15/5, 2/7/2020 |
31 |
12 |
Oficinas de elaboração do NG1 |
6/8, 11/8 e 18/8/2020 |
29 |
19 |
Oficinas de elaboração do NG2 |
22/9, 29/9 e 6/10/2020 |
33 |
26 |
Oficinas de elaboração do NG3 |
4/11, 9/11 e 18/11/2020 |
28 |
21 |
Oficinas de elaboração do NG5 |
30/11, 4/12 e 15/12/2020 |
41 |
30 |
Oficinas de elaboração do NG6 |
26/1, 2/2 e 9/2/2021 |
41 |
28 |
Oficinas de elaboração do NG7 |
23/2, 2/3, 9/3 e 16/3/2021 |
49 |
32 |
Oficina de consolidação I. Síntese de OG, VF e OEs |
1 e 2/6/2021 |
26 |
21 |
Oficina de consolidação II. Definição das ações |
4 a 6/8/2021 |
115 |
78 |
Oficina de consolidação da matriz de planejamento |
27/8/2021 |
76 |
55 |
Fonte: PAN Insetos Polinizadores.
Figura 4 – Processo de construção do PAN Insetos Polinizadores. O processo envolveu diversas atividades que ocorreram tanto na forma de encontros presenciais (retângulo cinza à esquerda) quanto virtuais (retângulo cinza à direita). Fonte: PAN Insetos Polinizadores.
Figura 5 – Evolução da adesão de articuladores às ações propostas para o PAN Insetos Polinizadores ao longo das atividades desenvolvidas de forma remota. Fonte: PAN Insetos Polinizadores.
Tabela 3 – Avaliação dos participantes sobre as oficinas virtuais de elaboração do PAN. Os valores correspondem à média obtida das respostas de 89 formulários. Não foram incluídas as respostas do NG4, que embasou um teste para as oficinas virtuais seguintes.
Ótima (%) |
Boa (%) |
Razoável (%) |
Ruim (%) |
Total (%) |
|
Dinâmicas e técnicas online |
58,43 |
37,08 |
4,49 |
0,0 |
100 |
Organização e logística |
70,8 |
28,1 |
1,1 |
0,0 |
100 |
Atuação da equipe de facilitação |
80,9 |
19,1 |
0,0 |
0,0 |
100 |
Atuação dos participantes |
37,1 |
58,4 |
3,4 |
1,1 |
100 |
Fonte: PAN Insetos Polinizadores.
Tabela 4 – Pontos positivos e negativos levantados acerca da realização do PAN Insetos Polinizadores de forma remota (online). As respostas foram retiradas da pergunta 6 do questionário, sendo ela: “Se você já participou de alguma oficina presencial de PAN, faça um breve comentário sobre os prós e contras observados com relação ao formato virtual”, permanecendo as mais recorrentes.
Prós |
Contras |
Mais econômico, custo mínimo de elaboração liberando recursos para implementação |
Menor interação e troca de conhecimentos entre os participantes; dificuldade de foco/ concentração dos participantes |
Mais inclusivo, permitindo maior número de participantes |
Limitações técnicas de acesso através dos meios de comunicação (instabilidade da internet, aplicativos novos, protocolos de cadastro etc.) |
Objetividade em relação ao uso do tempo e em resolução de atividades |
Dinâmicas pouco enriquecedoras |
Fonte: PAN Insetos Polinizadores.
Biodiversidade Brasileira – BioBrasil.
Fluxo Contínuo e Seção Temática:
Planos de Ação Nacional para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção
n.4, 2023
http://www.icmbio.gov.br/revistaeletronica/index.php/BioBR
Biodiversidade Brasileira é uma publicação eletrônica científica do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que tem como objetivo fomentar a discussão e a disseminação de experiências em conservação e manejo, com foco em unidades de conservação e espécies ameaçadas.
ISSN: 2236-2886