A Heterogeneidade Ambiental e Biológica em Cavidades Naturais Subterrâneas: Influência da Variação do Microclima, Luminosidade e Recursos Tróficos na Diversidade e Composição de Espécies de Invertebrados

Elmir Lúcio Borges Filho1* e Ívia Lemos Barroso1

Recebido em 06/06/2022 – Aceito em 22/09/2023

1 Spelayon Consultoria. Brasil. <lucioborgesfilho@gmail.com, ivialemos@gmail.com>.

* Contato principal.

RESUMO As condições climáticas e tróficas do meio hipógeo podem afetar a comunidade de invertebrados presentes no interior das cavernas, e entender como os fatores ambientais podem acarretar alterações na fauna cavernícola é o objetivo principal deste trabalho. A busca por entender como essas alterações afetam a distribuição e a presença de espécies em cavernas é essencial para a manutenção do ecossistema cavernícola. Para isso, o presente trabalho teve como principal esforço testar como a influência das variáveis de temperatura, umidade, riqueza de recursos e zonação do ambiente cavernícola podem apresentar influência na riqueza, diversidade e distribuição das espécies em duas cavidades de litologia calcária, localizadas no município de Matozinhos/MG. Foram realizadas coletas nas cavidades, utilizando o método de busca ativa e dois métodos de captura passiva (Pitfall traps e Funil modificado de Berlese-Tulgreen). Houve ainda a divisão das cavernas em setores onde foi feita a amostragem dos recursos tróficos e a aplicação dos métodos de coleta. Os dados ambientais foram correlacionados com os dados da comunidade de invertebrados e verificou-se que a riqueza total de espécies encontrada em cada setor das cavidades foi influenciada significativamente pelas variáveis analisadas. Já a composição de espécies foi explicada somente pela temperatura.

Palavras-chave: Neotropical; biologia subterrânea; comunidade; Arthropoda.

Environmental and Biological Heterogeneity in Caves: Influence of Microclimate Variation, Luminosity and Trophic Resources on the Diversity and Composition of Invertebrates

ABSTRACT – The climatic and trophic conditions of the subterranean environment can affect invertebrate cave community. For this reason, this work has the main goal to understand how environmental factors promote changes in cave fauna, such as distribution of species in caves. This knowledge is essential for cave ecosystem maintenance. The present work tested the influence of temperature, humidity, trophic resource richness and environmental zoning on species richness, diversity and composition of two limestone caves located in the municipality of Matozinhos/MG, Brazil. Invertebrates were sampled using the active search method and two passive capture methods (pitfall traps and Berlese-Tulgreen funnel). We also divided caves into sectors, where trophic resources characterization and the application of invertebrate sampling methods were carried out. Environmental variables were correlated to invertebrate community variables. We found that total species richness was significantly influenced by the environmental variables. The species composition was explained only by temperature.

Keywords: Neotropical; subterranean biology; community; Arthropoda.

Heterogeneidad ambiental y biológica en cavidades naturales subterráneas: influencia de la variación del microclima, la luz y los recursos tróficos en la diversidad y composición de especies de invertebrados

RESUMEN – Las condiciones climáticas y tróficas del ambiente hipogeo pueden afectar a la comunidad de invertebrados presentes en el interior de las cuevas, y comprender cómo los factores ambientales pueden provocar cambios en la fauna cavernícola es el principal objetivo de este trabajo. La búsqueda de comprender cómo estos cambios afectan la distribución y presencia de especies en las cuevas es esencial para el mantenimiento del ecosistema cavernícola. Para ello, el principal esfuerzo del presente trabajo fue probar cómo la influencia de las variables de temperatura, humedad, riqueza de recursos y zonación del ambiente cavernario puede influir en la riqueza, diversidad y distribución de especies en dos cavidades de litología caliza. ubicado en el municipio de Matozinhos/MG. Las colectas se realizaron en las cavidades, utilizando el método de búsqueda activa y dos métodos de captura pasiva (trampas Pitfall y embudo Berlese-Tulgreen modificado). Las cuevas también se dividieron en sectores donde se muestrearon los recursos tróficos y se aplicaron métodos de recolección. Los datos ambientales se correlacionaron con los datos de la comunidad de invertebrados y se encontró que la riqueza total de especies encontradas en cada sector de las cavidades estuvo significativamente influenciada por las variables analizadas. La composición de especies se explica únicamente por la temperatura.

Palabras clave: Neotropical; biología subterránea; comunidad; Artrópodos.

Introdução

Por muito tempo as cavernas foram conhecidas como ambientes frágeis, mais estáveis que o ambiente externo circundante, com pequenas variações na temperatura e umidade, além de apresentarem uma escassez de recursos e comunidades únicas (Culver, 1982; Poulson e White, 1969). Assim, a existência e o acúmulo de recursos tróficos na cavidade são base para a existência e a diversificação da fauna (Christman e Culver, 2001). Em contraponto com os panoramas anteriores, hoje se sabe que cada caverna pode apresentar peculiaridades, o que torna as generalizações a respeito desse ambiente pouco confiáveis. Dos organismos fotossintetizantes (base da cadeia trófica), materiais vegetais, detritos, raízes, acidentais, bactérias quimiotróficas aos fungos (como organismos decompositores), cada recurso contribui para a teia trófica da caverna, permitindo que possua populações visitantes e/ou que seja habitat para populações residentes (Zampaulo, 2010).

As características do ambiente cavernícola exercem uma forte pressão seletiva sobre as espécies que tentam colonizar as cavidades, de modo que as características geológicas e físico-químicas desses ambientes viabilizam a existência de condições ótimas ou limitações fisiológicas para os seres vivos (Souza-Silva et al., 2011). Sendo assim, muitos organismos que vivem em cavidades subterrâneas apresentam especializações que os permitem sobreviver às limitações físicas e à pouca disponibilidade de recursos alimentares que existem nesses ambientes (Culver, 1982; Culver e White, 2005). Sendo assim, as espécies cavernícolas são classificadas como troglóxenas, troglófilas ou troglóbias, de acordo com sua dependência e tolerância ao ambiente subterrâneo (Holsinger e Culver, 1988, modificado do sistema Schinner-Racovitza). As espécies troglóxenas utilizam as cavernas como abrigo, mas saem regularmente para buscar alimento. As troglófilas têm a possibilidade de completar seu ciclo de vida tanto no meio subterrâneo quanto no epígeo. Já as espécies troglóbias são restritas ao ambiente cavernícola e podem ter especializações morfológicas, fisiológicas ou comportamentais ligadas à evolução subterrânea.

Existe uma categoria adicional, não incluída no sistema Schiner-Racovitza, chamada de organismos acidentais; eles podem entrar em cavernas ativamente, através da entrada principal, ou por quedas em aberturas verticais, mas não conseguem sair. Há também a possibilidade de colonizarem as cavernas de forma passiva, sendo carregados pelo vento ou água (Holsinger e Culver, 1988). Esses organismos são importantes ecologicamente no ambiente subterrâneo, pois seus excrementos e cadáveres servem de alimento para outras espécies que vivem lá (Zampaulo, 2010).

Cavernas com grandes áreas de contato com a superfície e sem obstáculos físicos que impeçam o aporte de materiais advindos do meio epígeo tendem a receber maiores quantidades de recursos orgânicos do que aquelas com menor grau de conectividade. Águas de riachos que adentram as cavernas fornecem uma entrada constante de matéria orgânica incrementada durante os pulsos de inundação. Por outro lado, grandes colônias de morcegos proverão quantidades expressivas de recurso orgânico para a fauna de cavernas, na forma de guano, como será detalhado à frente (Pimentel et al., 2022; Ferreira et al., 2000; Trajano e Gnaspini, 2000).

Outros fatores como temperatura, umidade e ocorrência de espécies apresentam, em muitos casos, variações entre diferentes cavernas e também em uma mesma caverna ao longo do ano ou até mesmo em um mesmo dia (Bento et al., 2016; Mammola e Isaia, 2018). Além disso, a presença de rios ou acúmulo de água podem influenciar no tamanho de suas populações existentes (Ferreira 2004; Souza-Silva et al., 2011; Simões, Souza-Silva e Ferreira, 2015). Até mesmo a presença de distúrbios antrópicos, como o turismo, pode influenciar tanto o ambiente como também a fauna das cavernas (Moldovan et al., 2003; Bernardi et al., 2010; Pellegrini e Ferreira 2012; Guil e Trajano 2013; Faille et al., 2015).

Conhecer e entender quais fatores afetam a presença e a distribuição de espécies em cavernas pode ser uma etapa essencial no estudo dessas comunidades, especialmente porque os ambientes subterrâneos podem ser importantes para a manutenção dos ecossistemas onde estão inseridos. Sendo assim, o meio hipógeo e as cavernas podem abrigar espécies que realizam serviços ecológicos únicos com importância para além da a paisagem em que estão (morcegos polinizadores, dispersores de sementes e predadores de pragas agrícolas) (Elliot, 2000; Ferreira e Martins, 2001). Diante do que foi elencado, fica evidente a importância do estudo dos fatores bióticos, abióticos e de como esses interagem com a comunidade de invertebrados, de modo que torna possível tomada de decisões mais assertivas ao implementar medidas para o estabelecimento do uso adequado desses ambientes. Ademais, também contribui para o manejo adequado do turismo ou até mesmo para entender como os distúrbios, sejam eles de origem antrópica ou não, afetam as cavernas.

Nesse contexto, o objetivo deste trabalho foi verificar como as variáveis climáticas de temperatura e umidade, e a diversidade de recursos podem influenciar na comunidade (riqueza, abundância) da fauna de invertebrados em duas cavidades, localizadas no município de Matozinhos/MG.

Material e Métodos

Área de estudo

As cavidades alvo do estudo bioespeleoló-gico (BM-157 - 44W 05’ 57”, 19S 32’ 14”; BM-158 - 44W 05’ 54”, 19S 32’ 11”) se desenvolvem em rocha calcária, e estão localizadas no município de Matozinhos (Figura 1). A área está situada na porção norte da região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais (MG), e está inserida na área Cárstica de Lagoa Santa.

Cavidades amostradas

BM-157

Cavidade na forma de abismo, com aproximadamente 12 m de profundidade. Possui salão inicial de teto alto, com blocos abatidos no piso e com concentração de matéria orgânica vegetal particulada na região de acesso (lance vertical e diminuição gradual da matéria orgânica ao longo da cavidade). Após esse salão, presença de pequena passagem que leva a segundo salão de menores proporções, com zona afótica e baixa concentração de matéria orgânica. Devido à descontinuidade dos condutos, ocorre diminuição gradual da luminosidade. Desta forma, a cavidade foi setorizada de acordo com a luminosidade e o desenvolvimento físico do conduto. Por se tratar de um abismo, a cavidade não apresentou zona de entrada, sendo o primeiro setor caracterizado como área de penumbra (disfótica); o segundo setor já se encontra em zona afótica e localiza-se no salão principal da cavidade, onde se observam blocos e matacos por todo o piso. O terceiro setor foi caracterizado entre a passagem do salão principal para o salão menor. Esse setor é o menor, mas apresenta um diferencial entre os demais setores, onde o piso apresentava-se totalmente úmido e com estreitamento que dá acesso ao salão menor. O quarto setor também ocorre em zona afótica e é representado pela área que compreende o menor salão da cavidade. A Figura 2 apresenta a planta baixa e perfil longitudinal da entrada por abismo da cavidade.

BM-158

Cavidade formada por grande matacão tombado com piso formado por sedimento terrígeno, blocos e matacões com inclinação para seu interior. Parte do piso se encontra erodido por passagem de água de chuva pela cavidade. Possui passagem estreita do lado esquerdo formada pela lateral do maciço e parte do matacão. No final do segundo salão, encontra-se um abismo com aproximadamente 10 metros de desnível. A cavidade foi setorizada de acordo com a luminosidade e o desenvolvimento físico dos condutos, sendo dividida em três setores. O primeiro setor é representado pela zona de entrada (eufótica), o segundo setor é representado pela zona de penumbra (disfótica) e o terceiro setor o abismo, que é representado pela zona afótica. A Figura 3 apresenta a planta baixa e o perfil longitudinal do abismo localizado no final da cavidade.

Amostragem da fauna cavernícola

Foi realizado um evento de coleta da fauna de invertebrados cavernícolas, que ocorreu em abril de 2020, utilizando três métodos de amostragem: busca ativa e dois métodos de captura passiva: i) armadilhas de queda (pitfall traps); ii) Funil de Berlese-Tulgreen. As cavidades foram divididas em setores; foi aplicado o Funil de Berlese-Tulgreen, e nos demais setores foram aplicados os outros dois métodos de coleta supracitados.

Para a coleta de invertebrados, foi utilizado o método de busca ativa, que é amplamente usado em estudos bioespeleológicos brasileiros (e.g. Ferreira et al., 2010; Pellegrini & Ferreira, 2012; Simões et al., 2015) e envolve a busca por espécies em toda a cavidade de forma exaustiva e sem a padronização de tempo ou esforço amostral. A busca por espécies ocorre tanto no piso, como nas paredes, dedicando atenção especial a microhabitat e recursos encontrados no interior das cavernas (por exemplo: banco de sedimento, carcaças, depósitos de guano, fezes, detritos vegetais, raízes e poças). Como método complementar para captura de fauna, foram utilizados pitfall traps e coleta de invertebrados de matéria orgânica através de funil de extração de fauna, modificado de Berlese-Tulgreen.

Os pitfall traps foram instalados no solo e consistiram em um recipiente plástico (com abertura de 6cm raio e capacidade para 200 ml) contendo uma solução conservante (álcool 80%) para preservar os animais coletados. Instalou-se uma armadilha de queda em cada um dos setores da cavidade (zona fótica, penumbra e afótica). Optou-se pela não utilização de iscas, minimizando assim a atração de espécies epígeas. O tempo de amostragem para esse método foi de 72 h contínuas conforme metodologia proposta por Mommertz et al. (1996).

Como terceiro método de coleta, utilizou-se a extração de espécies por funil modificado de Berlese-Tulgreen. Para isso, coletou-se folhiço presente no piso em cada setor da cavidade, sendo coletado 30 cm3 por ponto amostral, que posteriormente foi colocado nos funis para a extração dos invertebrados. Esse método é um dos mais usados para a obtenção de amostras de micro e macroartrópodes edáficos, e em geral representa uma adaptação do original proposto por Berlese, em 1905, e modificado por Tüllgren, em 1917 (Garay, 1989). O extrator utilizado seguiu as especificações de Aquino e colaboradores (2006).

Caracterização do ambiente cavernícola

O levantamento dos recursos tróficos foi feito de forma visual em cada um dos setores da cavidade, não havendo quantificação. Foram utilizados apenas dados de presença, ausência e quais categorias foram observadas (organismos fotossintetizantes, material vegetal, detritos, raízes, fezes de outros vertebrados, carcaça, bolotas de regurgitação e guano). A disposição dos recursos tróficos na cavidade foi avaliada através da plotagem de todos os recursos observados nos mapas topográficos de cada cavidade, divididos em setores conforme a Tabela 1. Nesses setores também foram coletados dados de temperatura e umidade relativa do ar feito através do uso de termohigrômetro digital da marca INSTRUTEMP modelo ITHT 2200, com resolução de temperatura de 0,1ºC e precisão de +/-1,0ºC.

Os setores das cavidades foram caracterizados de acordo com sua temperatura, umidade, riqueza de recursos e zonação (eufótica, disfótica e afótica).

Análises estatísticas

Para verificar se as variáveis de temperatura, umidade, riqueza de recursos e zonação apresentam uma influência na riqueza e diversidade de espécies (diversidade de Shannon) dos setores das cavidades, foi realizada uma análise de modelos lineares generalizados mistos (GLMM). Nos modelos, a riqueza e diversidade de espécies obtida em cada setor das cavidades foi considerada a variável resposta e a temperatura, umidade, riqueza de recursos e zonação a variável explicativa. As cavidades foram incluídas no modelo como variável aleatória, a fim de controlar os efeitos da pseudorreplicação espacial da amostragem. Nessa análise, apenas os dados amostrados através de coleta ativa e armadilhas de queda (pitfall traps) foram considerados. O método do tipo Berlese não foi incluído, pois foi implementado em apenas um setor de cada cavidade e não em todos os setores como acon-teceu com os outros métodos. A implementação de Berlese em apenas um setor aconteceu devido à falta de acúmulo de serapilheira em mais de um setor. Foi utilizada estrutura de erros do tipo Poisson, adequado para dados de contagem (riqueza de espécies) e estrutura de erros do tipo Gaussiana para o índice de diversidade. Os modelos foram submetidos à análise de resíduo para a adequação da distribuição de erros. A análise de GLMM foi realizada através do software R, pacote “lme4” (R Development Core Team 2020).

Para verificar o quanto as cavidades são semelhantes em relação à composição de espécies (presença e ausência de espécies), foi realizada uma análise de escalonamento multidimensional não-métrico (NMDS). A análise de NMDS permite comparar visualmente diferenças na composição de espécies da comunidade faunística encontrada em cada uma das cavidades. Dessa forma, foi construída uma matriz de composição de espécies usando o setor da cavidade como unidade amostral. A matriz de composição de espécies foi transformada em uma matriz triangular de similaridade utilizando o índice de Jaccard (que considera diferenças na presença e ausência das espécies para o cálculo). Além disso, foi realizada uma análise de PERMANOVA para verificar se as cavidades são diferentes em relação à composição de espécies. Novamente, nessas análises apenas os dados amostrados através de coleta ativa e armadilhas do tipo pitfall foram considerados. Estas análises foram realizadas no programa R, pacote vegan (Oksanen et al., 2016; R Development Core Team, 2020).

Para identificar o que determina uma maior similaridade na composição de espécies entre os setores das cavidades, foi feita uma análise de modelos lineares baseados em matriz de distância (DISTLM). Nesses modelos, a composição de espécies foi utilizada como variável resposta e a temperatura, umidade, zonação e riqueza de recursos como variáveis explicativas.

A análise de DISTLM mostrará, então, qual a porcentagem de explicação das variáveis explicativas para determinar a composição de espécies dos setores das cavidades. DISTLM analisa e modela as relações existentes entre dados multivariados (transformando a variável resposta em uma matriz de similaridade) e uma ou mais variáveis explicativas. A composição de espécies foi transformada em uma matriz de similaridade utilizando índice de Jaccard. Valores de p são gerados através de métodos de permutação para demonstrar os testes da hipótese nula de não existir relação. A análise foi realizada no software R, pacote vegan, função adonis (Oksanen et al., 2016; R Development Core Team, 2020).

Resultados e Discussão

Foram coletadas um total de 120 espécies e 1.765 indivíduos de invertebrados nas duas cavidades estudadas. Dentre as metodologias de coletas aplicadas, a coleta ativa registrou um total de 80 espécies e 1.345 indivíduos; o método de armadilha de queda (pitfall traps), 21 espécies e 157 indivíduos; e o método de coleta extração funil de extração de fauna, 35 espécies e 263 indivíduos. Não foram capturados indivíduos nas armadilhas de queda (pitfall traps) no setor 1 da cavidade BM-158 e no funil de extração de fauna nos setores 3 e 4 da cavidade BM-157 e no setor 3 da cavidade BM-158. Na Tabela 2 são apresentados os valores de riqueza por setor, método de coleta e setorização, bem como os valores de temperatura e umidade.

Entre as espécies observadas foam encontradas apenas uma espécie troglóbia, pertencente ao grupo dos colêmbolos (Arrhopalites mendocae, Brito et al., 2019), sendo encontrados na cavidade BM-157 em todos os setores e na cavidade BM-158 apenas no setor 2. A amostragem dessa espécie correspondeu a 26% (467 indivíduos) da fauna cavernícola amostrada neste estudo.

Da totalidade de indivíduos coletados nas duas cavidades, 323 são coloniais, sendo onze espécies de formigas e uma espécie de cupim, o que representa 18% de toda abundância registrada neste estudo. Por esse motivo, para as análises subsequentes, a abundância de cupins e formigas foi substituída por “1” ou “0”, referente à presença ou ausência da colônia da respectiva espécie na cavidade.

A riqueza total de espécies encontrada em cada setor das cavidades foi influenciada significativamente pela temperatura (Chi-squared = 17.06; p < 0.001), umidade (Chi-squared = 12.54; p < 0.001), zonação (Chi-squared = 28.9; p < 0.001) e riqueza de recursos (Chi-squared = 19.00; p < 0.001). Nesse sentido, a riqueza de espécies foi maior em setores que apresentaram os menores valores de temperatura (Figura 4a), maiores valores de umidade (Figura 4b), maior riqueza de recursos (Figura 4c) e com zonação disfótica em relação à afótica (Figura 4d). Já a diversidade de espécies (Shannon) foi influenciada apenas pela zonação (Chi-squared = 5.62; p = 0.01). Nesse sentido, setores com zona disfótica apresentaram uma diversidade de espécies média maior que setores com zona afótica (Figura 5). A temperatura (Chi-squared = 0.88; p = 0.34), umidade (Chi-squared = 0.90; p = 0.34) e riqueza de recursos (Chi-squared = 3.22; p = 0.07) não foram importantes para determinar a diversidade de espécies em cada setor.

Os setores com zonas disfóticas são aqueles que apresentam um pouco de iluminação, estando em maior contato com o ambiente externo em relação aos setores com zona afótica. Essa conexão com o ambiente externo faz com que tais setores sirvam como ecótonos, abrigando tanto espécies do meio epígeo como do meio hipógeo, sendo que nessas regiões é esperado um aumento da riqueza por se tratar de uma zona de transição onde se encontram espécies tanto do meio epígeo quanto do meio hipógeo (Prous & Martins 2004; Prous et al., 2015; Pelegrini & Ferrreira, 2016). Mas esses ambientes não são estáticos; mudanças ambientais externas podem favorecer a alteração dessas delimitações na cavidade alterando a dinâmica da fauna (Prous & Martins, 2004).

Os setores com zonação disfótica foram também aqueles que apresentaram uma temperatura média menor, umidade média maior e maior riqueza de recursos em relação aos setores com zona afótica (Figura 6). Isso explica os resultados aqui encontrados, que demonstram existir uma maior riqueza e diversidade de espécies em locais com menor temperatura, maior umidade e riqueza de recursos.

Pelegrini & Ferrreira (2016), em estudos de fauna na cavidade Lapa Nova em Vazante, MG, demonstraram que a fauna durante o período seco era encontrada em locais onde havia maior concentração de umidade no solo da cavidade. Além disso, estudos indicam que a redução da disponibilidade de água favorece uma maior dispersão dos organismos pela caverna em busca de condições microclimáticas mais favoráveis (Jasinska et al., 1996; Moore et al., 2004).

A similaridade média entre as duas cavidades amostradas foi de apenas 9%, mostrando que essas cavidades apresentam uma composição de espécies distinta uma da outra. Isso pode ser visualizado através do gráfico do NMDS, onde as cavidades formaram dois agrupamentos distintos. A análise de PERMANOVA comprovou esse padrão visual, mostrando que as duas cavidades estudadas apresentaram uma composição de espécies significativamente diferentes (Pseudo-F = 2.14; p = 0.02). Além disso, no gráfico de NMDS é possível observar que a cavidade BM-158 ficou com os seus pontos (setores) bem agrupados no espaço. Isso comprova que os setores da cavidade são semelhantes em relação à identidade das espécies que abrigam. Diferentemente, um dos setores (S1) da cavidade BM-157, ficou distante dos outros setores da cavidade, mostrando apresentar uma composição de espécies distinta (Figura 7).

Isso possivelmente acontece porque o setor 1 apresenta zonação disfótica, por representar a entrada da cavidade em desnível abrupto que recebe grande quantidade de recursos tróficos e provavelmente a introdução de fauna epígea. E, os outros setores (2, 3 e 4) apresentam zonação afótica, pois a cavidade é um abismo profundo. A única variável responsável por explicar a composição de espécies foi temperatura. Nesse contexto, setores mais similares em relação à temperatura apresentaram uma maior similaridade em relação à identidade das espécies que apresentam (Tabela 3). As outras variáveis não foram consideradas significativamente importan-tes para determinar a similaridade na composição de espécies entre os setores das cavidades.

As cavidades são ambientes heterogêneos, onde se encontram diferentes microclimas ao longo da sua extensão, sendo que, principalmente, os setores mais próximos da entrada sofrem mais interferência às mudanças externas (Tobin et al., 2013; Rocha, 2013). Essa variação também está relacionada ao tamanho da cavidade, em que cavernas com maior desenvolvimento apresentam menor variação em zonas mais profundas do que em cavidades menores (Souza-Silva et al., 2012; Bento et al., 2016). As coletas nas cavidades foram realizadas em evento único e no final do mês de abril, visto que durante os dias de amostragem não apresentou chuvas. Porém, o regime de chuva nesse mês não foi constante, o que possivelmente afetou a importação desses recursos como material vegetal e detritos para porções mais distais das cavidades.

Conclusão

Dentre as metodologias aplicadas neste estudo, o método de coleta ativa foi mais eficaz para a amostragem dos invertebrados cavernícolas. A cavidade com maior riqueza e diversidade de espécies de invertebrados foi a BM158, sendo a cavidade com a maior área neste estudo. A composição das espécies foi bem diferente entre as cavidades. As cavidades apresentaram valores distintos de riqueza e diversidade de espécies mostrando que estas apresentam uma composição de espécies distinta, sendo dissimilares uma da outra.

Ao avaliarmos quais fatores ambientais foram responsáveis por determinar a riqueza, diversidade e composição de espécies nas cavidades, a zonação respondeu positivamente; setores com zona disfótica apresentaram uma diversidade de espécies média maior que setores com zona afótica, sendo que esses ambientes são considerados áreas de ecótono. As demais variáveis como temperatura, umidade e riqueza de recursos também influenciaram significativamente a riqueza e diversidades dos setores nas cavidades. Porém, a temperatura foi a única variável responsável por explicar a composição de espécies.

Portanto, este estudo caracteriza-se como um registro da história biológica das cavidades estudadas demonstrando a importância do conhecimento das dinâmicas ambientais que existiram localmente. Além disso, entender as características da paisagem e da fauna pode ter potencial de preencher possíveis lacunas para a conservação. Ademais, estudos como este podem fomentar a replicação da busca por entender as dinâmicas ecológicas nos ambientes subterrâneos, para além da escala local em Matozinhos/MG.

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Figura 1 – Localização das cavidades na área de estudo. Fonte: Autores, 2022.

Figura 2 – Desenho esquemático da cavidade BM-157. Fonte: Autores, 2022.

Figura 3 – Desenho esquemático da cavidade BM-158. Fonte: Autores, 2022.

Tabela 1 – Síntese dos dados de presença e ausência dos recursos tróficos encontrados nas cavidades do estudo. Fonte: Autores, 2022.

Organismos fotossintetizantes

Material vegetal

Raízes

Detritos

Guano

BM-157

X

X

X

X

X

BM-158

X

X

X

X

-

Tabela 2 – Dados das cavidades do estudo apresentados por setor e zonação encontrados. (A cavidade BM-157 trata-se de um abismo com desnível de 27.74 m, portanto não foi observado zona eufótica). (S = Riqueza de espécies; N = Abundância de espécies).

Cavidade

Setor

Zonação

Riqueza da fauna por método de coleta

Temperatura

Umidade

Coleta Ativa

Pitfall Traps

Berlese-Tulgreen

S

N

S

N

S

N

BM-157

1

Disfótica

24

415

9

37

3

92

20,3

92

2

Afótica

10

326

5

49

2

45

20,6

93

3

Afótica

3

27

8

28

-

-

20,6

86

4

Afótica

7

62

5

35

-

-

20,6

89

BM158

1

Eufótica

34

248

-

-

18

51

18,8

92

2

Disfótica

33

44

7

7

14

75

19,3

89

3

Afótica

15

48

1

1

-

 

20,6

82

Figura 4 – Relação entre a riqueza total de espécies e a temperatura (a), umidade (b), riqueza de recursos (organismos fotossintetizantes, material vegetal, detritos, raízes, fezes de outros vertebrados, carcaças, bolotas de regurgitação e guano) (c) e zonação (disfótica ou afótica) (d) de cada setor das cavidades estudadas. * = p < 0.05. Fonte: Autores 2022.

Figura 5 – Relação entre a diversidade de espécies (índice de Shannon) e a zonação dos setores das cavidades (disfótica ou afótica). * = p < 0.05. Fonte: Autores 2022.

Figura 6 – Médias (linhas tracejadas) e medianas (linhas contínuas) da temperatura, umidade e riqueza de recursos observados nas zonas disfóticas e afóticas das cavidades estudadas. Fonte: Autores 2022.

Figura 7 – Análise de NMDS mostrando o quanto as cavidades são similares em relação a composição da fauna baseada na similaridade de Jaccard (presença e ausência de espécies). Fonte: Autores, 2022.

Tabela 3 – Resultados da análise de DISTLM mostrando os efeitos independentes de cada uma das variáveis ambientais para explicar a similaridade na composição de espécies (presença e ausência, similaridade de Jaccard) entre setores. Nesta tabela são apresentados os valores de Pseudo-F, R2 (indicando a porcentagem de explicação) e p (indicando se a explicação é significativa ou não). Valores de p < 0.05 são considerados significativos e são indicados em negrito. Fonte: Autores, 2022.

Variável

Pseudo-F

R2

P

Temperatura

1.68

0.25

0.03

Zonação

1.56

0.23

0.10

Riqueza de recursos

1.01

0.16

0.36

Umidade

0.89

0.15

0.59

Biodiversidade Brasileira – BioBrasil.

Fluxo Contínuo

n.3, 2023

http://www.icmbio.gov.br/revistaeletronica/index.php/BioBR

Biodiversidade Brasileira é uma publicação eletrônica científica do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que tem como objetivo fomentar a discussão e a disseminação de experiências em conservação e manejo, com foco em unidades de conservação e espécies ameaçadas.

ISSN: 2236-2886