Espécies Exóticas Invasoras nos Planos de Ação Nacional para a Conservação das Espécies Ameaçadas de Extinção

Gabriela Menezes Cruz Marangon1*, Amanda Galvão1, Tainah Correa Seabra Guimarães1 e Marília Marques Guimarães Marini1

Recebido em 30/05/2022 – Aceito em 06/03/2023

1 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade/ICMBio. Brasil. <marangongb@gmail.com, amandagalvao@gmail.com, tainah.guimaraes@icmbio.gov.br, marilia.marini@icmbio.gov.br>.

* Contato principal.

RESUMO As espécies exóticas invasoras são uma grande ameaça à biodiversidade brasileira atualmente, e o conhecimento de como se comportam na natureza ajuda a combatê-las através das ações presentes nos planos de ação nacional. Estes representam uma ferramenta participativa importante para a conservação da fauna e flora brasileira, pois são elaborados e implementados em conjunto com a sociedade. Através da análise das espécies exóticas invasoras na Lista Oficial de Espécies Ameaçadas de Extinção da Fauna Brasileira e nas ações dos planos, foi possível identificar que 186 (16%) das espécies ameaçadas apresentam espécies exóticas invasoras como ameaça e que, em 35 planos de ação, há ١٥٨ ações envolvendo espécies exóticas invasoras, das quais ٤٣٪ não possuem bom andamento. A partir desse diagnóstico, propomos sugestões para fortalecer o enfrentamento às invasões biológicas, como aperfeiçoamento da qualidade de informações sobre espécies exóticas invasoras no processo de avaliação no risco de extinção da fauna, maior integração entre ações e planos de ação nacional, maior envolvimento de instituições locais e melhor articulação intra e interinstitucional.

Palavras-chave: Manejo, invasão biológica; planos de ação nacional.

Invasive Exotic Species in the National Action Plans for the Conservation of Endangered Species

ABSTRACT – Invasive alien species are one of the greatest threats to Brazilian biodiversity nowadays and the knowledge of how they function in nature helps to combat it through the actions present in the national action plans, which represents an important participatory tool for conservation of Brazilian fauna and flora, as it is elaborated and implemented with society. Through an analysis of invasive alien species in the Official List of Endangered Species of Brazilian Fauna and in the actions of the plans it was possible to identify that 186 (16%) of the threatened species has invasive alien species as a threat, and in 35 Plans Actions there are 158 actions involving invasive alien species, involving 35 action plans, of which 43% do not have good implementation. With this diagnosis, we propose suggestions to strengthen the fight against biological invasios, such as improving the information quality on invasive alien species in the process of extinction risk assessment of fauna, greater integration between actions and national action plans, greater involvement of local institutions and greater within and among institutions articulation. Especies exóticas invasoras en los planes de acción nacional para la conservación de las especies amenazadas de extinción.

Keywords: Management; biological invasion; national action plans.

Especies Exóticas invasoras en los Planes de Acción Nacionales para la Conservación de Especies Amenazadas

RESUMEN – Las especies exóticas invasoras son una gran amenaza a la biodiversidad brasilera en los días actuales, y el conocimiento de cómo se comportan en la naturaleza ayuda a combatirlas a través de las acciones presentes en los planes de acción nacional, que representan una herramienta importante para la conservación de la fauna y la flora brasileras, pues son elaborados junto con la sociedade. A través del análisis de las especies exóticas invasoras en la lista oficial de las especies amenazadas de extinción de la fauna brasilera, y en las acciones de los planes, fue posible identificar que 186 (16%) de las especies amenazadas, poseen especies exóticas invasoras como amenaza, y que 158 acciones contenían especies exóticas invasoras involucrando 35 planes de acción de los cuales el 43% no están avanzando bien. A partir de esta información, proponer sugerencias, para fortalecer el combate de las especies exóticas invasoras, como el perfeccionamiento de la calidad de las informaciones sobre las especies exóticas invasoras en el proceso de evaluación en el riesgo de extinción de la fauna, mayor integración entre las acciones y los planes de acción nacional, mayor involucramiento de las instituciones locales y mayor articulación intra e interinstitucional.

Palabras clave: Conservación; invasión biológica; planes de acción nacional.

Introdução

O Brasil é responsável pela gestão do maior patrimônio de biodiversidade mundial, sendo mais de 13% da biota global (ICMBio, 2018a). Contudo, muitas atividades antrópicas têm ameaçado essas espécies, inclusive introduzindo e dispersando as espécies exóticas invasoras (EEIs). EEIs são espécies fora da sua área de distribuição natural que proliferam sem controle e com rapidez, se estabelecem e frequentemente se tornam dominantes, passando a ser um risco às espécies brasileiras e ao equilíbrio dos seus ecossistemas. As EEIs se adaptam muito bem às condições locais e se favorecem da ausência de inimigos naturais.

As EEIs estão entre as maiores causas de perda de biodiversidade no mundo, uma vez que oportunidades de introdução e dispersão estão ligadas ao avanço da expansão urbana, agrícola e de criação, favorecendo a propagação de doenças e pragas, assim como a globalização, que aumenta as possibilidades e os meios de trânsito dessas espécies por todo o planeta. Segundo Blackburn et al. (2019), EEIs são um fator que contribuiu para 25% das extinções de plantas e 33% de animais. Globalmente, elas ameaçam 14% das espécies de vertebrados terrestres categorizados como Criticamente em Perigo pela Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN (Dueñas et al., 2021). Também colocam em risco a biodiversidade marinha e aquática continental (Bax et al., 2003; Molnar et al., 2008; Havel et al., 2015).

Para reduzir os impactos gerados pelas EEIs na biodiversidade, estratégias de manejo devem ser implementadas e priorizadas (Giakoumi et al., 2019; Pyšek et al., 2020). Prevenir a introdução e dispersão de espécies exóticas é considerada a opção de menor custo e maior eficiência (Simberloff et al., 2005; Hulme, 2009). Quando a prevenção falha, pode-se aplicar o conceito de detecção precoce e resposta rápida, visando erradicar a EEI ainda com sua população pequena, localizada em uma área reduzida e não estabelecida (Waugh, 2009; Reaser et al., 2019). Uma vez que as EEIs já estejam estabelecidas e causando maiores danos, restam apenas as estratégias de contenção e controle (ICMBio, 2019).

No intuito de proteger a biodiversidade brasileira, incluindo o enfrentamento da ameaça representada pelas EEIs, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) utiliza, entre outras, duas ferramentas para avaliação e melhoria do estado de conservação das espécies da fauna: (1) a avaliação do risco de extinção das espécies da fauna brasileira, processo que subsidia a Lista Nacional de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção (MMA, 2014a,b); e (2) o Plano de Ação Nacional para Conservação de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção (PAN), planejamento centrado na redução, supressão ou mitigação das ameaças que põem em risco de extinção as espécies da fauna brasileira (ICMBio, 2018b).

O PAN é um instrumento de gestão e de políticas públicas, elaborado junto com a sociedade, que identifica e orienta as ações prioritárias para combater as ameaças que colocam em risco as espécies nativas e seus ambientes naturais, como é o caso das EEIs. E cabe aos Centros Nacionais de Pesquisa e Conservação do Instituto Chico Mendes (CNPCs) coordenar todo o processo de elaboração e implementação dos PANs, sob a supervisão da Coordenação de Identificação e Planejamento de Ações para Conservação (COPAN) (ICMBio, 2018b), sendo que cada PAN é coordenado por um CNPC. Contudo, as ações são articuladas e executadas por diversos parceiros dos CNPCs e por outros atores envolvidos, não cabendo apenas ao ICMBio a sua implementação.

Para enfrentar as pressões sobre as espécies ameaçadas de extinção, inclusive as geradas pelas EEIs, os PANs se tornaram um instrumento essencial para planejamento de ações com medidas de prevenção, erradicação, controle e monitoramento. Apesar de serem instrumentos essenciais, as ações e informações correlatas estão dispersas em cada um desses planos, dificultando o acompanhamento do progresso da gestão de invasões biológicas no país. Assim, o objetivo deste trabalho foi identificar e quantificar as ações envolvendo EEIs nos PANs e analisar o andamento e os gargalos na implementação, para indicar melhorias ao processo.

Material e Métodos

Primeiramente foram consultadas, no Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (SALVE), as fichas das 1.173 espécies ameaçadas constantes na Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçada de Extinção (MMA, 2014a,b) e das 5 espécies regionalmente extintas para identificar as que mencionavam EEIs como um fator de ameaça. Para essas espécies, foram avaliadas as fichas do 1º ciclo de avaliação e do 2º, disponibilizadas no SALVE até 08/2021.

Após essa etapa foram analisados 53 PANs publicados para verificar quais contemplavam espécies exóticas invasoras em suas ações. Planos em processo de elaboração não foram analisados, uma vez que ainda não passaram pelo processo de oficialização do planejamento.

Posteriormente, foram identificadas quais espécies ameaçadas de extinção possuíam PAN contendo ações diretas ou indiretas voltadas a minimizar o impacto das EEIs. As ações diretas eram aquelas em que os nomes das espécies ameaçadas estavam explicitamente informados; logo, eram diretamente relacionadas àquelas espécies. Por outro lado, as ações indiretas não evidenciavam a qual espécie ameaçada se relacionava e sim ao grupo em questão.

A estruturação e sobreposição desses dados resultou em uma lista de ações com sua descrição, classificação em relação à temática (sensibilização, articulação interinstitucional, arti-culação institucional, licenciamento ambiental, normatização, manejo, monitoramento e pesquisa) e às etapas da ação de manejo das EEIs (prevenção, erradicação e controle), além dos problemas de implementação. A análise dessa listagem possibilitou verificar quais ações tinham bom andamento, quais eram os motivos do bom desempenho, se eram replicáveis, e também, aquelas ações cujos gargalos necessitavam de uma proposta de melhoria.

Anualmente cada PAN passa por monitoria, durante a qual é avaliado o andamento de suas ações e categorizadas, conforme classificação abaixo, em uma matriz facilitando a análise e a proposição de ajustes:

Cinza – quando o início planejado da ação é posterior ao período de monitoramento;

Vermelho – quando a ação não foi concluída no prazo previsto ou ainda não foi iniciada conforme planejado;

Amarelo – quando o andamento da ação está com problema;

Verde – quando a ação está andando no período previsto;

Azul – quando a ação foi concluída;

Marrom – quando a ação foi excluída ou agrupada;

Roxa – quando a ação foi iniciada, porém não foi concluída no prazo específico; e

Rosa – quando é incluída uma ação nova.

Para avaliar o andamento e o desempenho dessas ações, foram consultadas as matrizes de monitoria de cada PAN disponíveis no site do ICMBio (https://www.icmbio.gov.br/pan).

Resultados

Ao todo, 186 espécies ameaçadas de extinção trazem em sua ficha alguma informação sobre espécie exótica invasora como ameaça, o que corresponde a 16% do total de espécies analisadas. Porém, 37 delas não são contempladas em PAN.

A maioria das espécies ameaçadas está na categoria Vulnerável (VU). Essas possuem 38% das ações voltadas para o enfrentamento das EEIs como uma ameaça, seguidas de Em Perigo (EN) com 37%, e finalizando com Criticamente em Perigo (CR) com 23%. Dentre os grupos taxonômicos listados como ameaçados de extinção, EEIs representam uma ameaça primordialmente para aves, com o maior número de espécies contendo essa como uma de suas principais ameaças (30%), seguido pelo grupo dos mamíferos (23%). Por outro lado, EEIs representam risco menor para anfíbios, uma vez que EEIs aparecem como ameaça para apenas 0,5% das espécies de anfíbios ameaçados de extinção.

Apenas 52 fichas (28%) das espécies ameaçadas consultadas no SALVE apresentavam o nome da EEI na ameaça. Nas outras fichas, a informação não estava detalhada, apenas com a marcação da ameaça “Espécie Invasora”, mas sem a descrição do impacto ou citando apenas a ameaça pela introdução de espécies exóticas, o gênero (ex.: Brachiaria sp. ou Macrobrachium sp.), o nome popular (ex.: cães ou carpa), o grupo (ex.: gramíneas ou moluscos) ou apenas a presença de animais domésticos ou de criação de espécie exótica, não estando evidente se o impacto seria pela espécie ou pela atividade. A espécie mais citada nas fichas é o fungo Batrachochytrium dendrobatidis (N = 5). Ao considerar os nomes populares e citações apenas de gêneros, as mais frequentes foram: Eucalyptus sp. (n = 33), Pinus sp. (n = 31) e cães e gatos (n = 29).

Na análise dos 53 PANs, que contemplam 885 espécies ameaçadas de extinção, verificou-se que 35 desses PANs possuem ações para combater essa ameaça (Tabela 1). Nesses 35 PANs, são encontradas 158 ações de combate as EEIs, que correspondem a 5,6% das ações.

Apenas dois PANs, Formigueiro do Litoral e Pato Mergulhão, tinham ações diretas de enfrentamento de uma EEI específica, porém seus planos foram finalizados e em seu segundo ciclo essas ações não foram incluídas.

Durante as monitorias dos PANs, foram levantadas informações EEIs como ameaça a cinco espécies. No PAN Herpetofauna do Nordeste, verificou-se que dois lagartos (Ameivula abaetensis e Tropidurus hygomi) estavam sendo predados por gatos domésticos na APA do Litoral Norte no estado da Bahia. Já no âmbito do PAN Herpetofauna do Sudeste, observou-se que a gramínea exótica invasora Melinis minutiflora representava uma ameaça para duas serpentes (Bothrops alcatraz e Bothrops insularis) e um anfíbio (Ololygon alcatraz).

A partir da análise dos dados das monitorias dos PANs, foi possível observar o andamento das 158 ações com foco no combate às EEIs (Fig. 1). A maioria das ações não foi concluída no prazo ou ainda não foi iniciada conforme como planejado (30%), seguidas de ações com andamento conforme previsto (18%).

Foi observado que 28,5% das ações abordando EEIs estão presentes no bioma Mata Atlântica. Em conjunto com o sistema insular, abrigam 37,7% dessas ações.

O combate às EEIs pode ser categorizado de acordo com diferentes fases de manejo (prevenção, erradicação e controle) conforme Decreto n. 4.339/2002 da Política Nacional da Biodiversidade. Com base nessas etapas, 48% das ações são de controle, o que indica que o dano já ocorreu; 40% de prevenção; e 12% de erradicação. Algumas ações foram classificadas em mais de uma etapa de manejo.

Em relação à temática das ações, a maioria das ações são classificadas como de pesquisa (n=47), seguidas de manejo (n=46) (Fig. 2). As ações de manejo são aquelas que envolvem diretamente o controle populacional e remoção de indivíduos, por exemplo. Algumas ações foram classificadas em mais de uma temática.

Discussão

No Brasil, as aves fazem parte do grupo mais afetado pelas EEIs. Em uma sistematização global, ao avaliar apenas as espécies Criticamente em Perigo (CR), Dueñas e colaboradores (2021) também constataram que as aves são as mais ameaçadas pelas EEIs. E, para todos os grupos, notaram que o número de espécies insulares ameaçadas é maior do que as espécies continentais, notadamente para as aves. No presente trabalho, esse grupo também pode ser expressivo devido às aves marinhas e seus reconhecidos impactos sofridos por predadores invasores em ilhas. De fato, aves insulares, particularmente as endêmicas e marinhas, são especialmente afetadas por espécies exóticas invasoras (Blackburn, 2004; Clavero et al., 2009; Medina et al., 2011; Spatz et al., 2014; Bellard et al., 2016a). Destaca-se, globalmente, que o rato-preto (Rattus rattus) e o gato (Felis catus) estão entre as principais EEIs que mais colocam em risco espécies ameaçadas de vertebrados, especialmente aves (Bellard et al., 2016b). Nacionalmente, esses roedores invasores também foram introduzidos em ilhas, além dos gatos no arquipélago de Fernando de Noronha (Sarmento et al., 2014; ICMBio, 2021a; Dias et al., 2011; Dias et al., 2017; Gaiotto et al., 2020; Micheletti et al., 2020; Fonseca et al., 2021).

Contudo, no contexto geral, embora EEIs estejam entre as principais causas de perda biodiversidade no mundo, essa realidade não está traduzida nas principais ferramentas de recuperação e conservação de espécies ameaça-das de extinção. A indicação de EEIs como ameaça nas fichas do SALVE para apenas 16% das espécies ameaçadas de extinção pode refletir a lacuna de informações comprovadas dos impactos.

No Brasil, pesquisas sobre EEIs são escassas em relação ao padrão internacional e, ainda assim, preponderam-se estudos de casos específicos ou focados na ocorrência e distribuição das EEIs, e não na sua interação com espécies nativas, que poderiam evidenciar os reais impactos (Vitule e Prodocimo, 2012; Zenni et al., 2016; Frehse et al., 2016). Por exemplo, em relação aos peixes continentais, pesquisadores já alertaram quanto à carência de estudos sobre impactos de introduções desses animais exóticos em bacias hidrográficas brasileiras (Pelicice e Agostinho, 2009; Bueno et al., 2021). Essa lacuna de informações leva ao desconhecimento e à insegurança em relatar os impactos durante o processo de avaliação do risco de extinção da espécie nativa. Soma-se a essa incerteza o fato de os impactos das EEIs atuarem em sinergia com outras ameaças, como redução e fragmentação de habitat, o que as tornam mais difíceis de serem detectadas (Berglund et al., 2013; Bellard et al., 2016a). Adicionalmente – e também relacionado à lacuna de conhecimento sobre os impactos causados pelas EEIs – essa ameaça é comumente negligenciada por não especialistas em invasões biológicas. Quando encontrada nas fichas, é bem vaga ou possui referências que não coincidem com a ameaça ou não foram encontradas referências.

Além da escassez de informações sobre os impactos, também há carência de dados mais detalhados sobre as próprias EEIs nas fichas, já que, em vários casos, são citadas apenas pelos gêneros, ou pelo nome popular. Essa ausência clara da identificação da espécie e do impacto causado por ela sobre a espécie nativa dificulta o direcionamento de estratégias de combate às invasões biológicas, inclusive pelos PANs. Sabe-se que o SALVE tem um objetivo claro destinado à facilitação da execução do processo de avaliação do estado de conservação da fauna brasileira (Souza et al., 2018). No entanto, não se pode negligenciar que é a ferramenta por meio da qual os CNPCs e demais especialistas da fauna se empenham em declarar as melhores informações para esse processo; logo, tem um potencial de ser uma importante fonte de informações, inclusive sobre EEIs e seus impactos. A correta indicação das EEIs e a ameaça que causam às nativas são necessárias para não subvalorizar as invasões biológicas e nem o processo de avaliação do estado de conservação da fauna brasileira. De fato, um levantamento feito da ameaça das EEIs sobre vertebrados registradas na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN indicou que o Brasil possui um número moderado de EEIs reportadas como risco (Bellard et al., 2016b).

Mais da metade dos PANs possuem ações de combate às EEIs, reforçando a importância dessa ameaça no contexto geral. No entanto, estas ações não apresentam bom andamento, especialmente ao considerar as ações não concluídas no prazo previsto ou ainda não iniciadas conforme planejado, juntamente às com problema de realização que somam 43%. Os motivos para a dificuldade de implementação são diversos, variando desde as motivações clássicas de falta de recursos financeiros e de articulação, até falta de interesse, ação desnecessária e dificuldade de acesso a área invadida. Historicamente, a temática das invasões biológicas é pouco discutida e gerida no país, com avanços apenas nos últimos anos. Além das dificuldades impostas pelas próprias técnicas de manejo, em muitos casos inexistentes, há ainda a escassez de recursos financeiros e humanos, e falta de apoio popular, seja pelo carisma de algumas EEIs ou pela ausência de conhecimento da problemática. Contudo, percebe-se que, em ações concluídas ou com boa implementação, instituições locais estão diretamente envolvidas na execução, como órgãos estaduais, ONGs e universidades.

A maioria das ações foram elaboradas envolvendo EEIs na Mata Atlântica, provavelmente por ser o bioma com mais espécies ameaçadas (ICMBio, 2018a), o mais degradado, e o mais impactado por EEIs (Graham et al., 2012; Sampaio e Schmidt, 2013; Ziller e Dechoum, 2013; Guimarães, 2015; Da Rosa et al., 2017). Há prevalência de ocorrência de EEIs em áreas mais antropizadas, o que corresponde com a alta taxa histórica de ocupação da Mata Atlântica (Spear et al., 2013; Dawson et at., 2017; Lima e Capobianco, 1997). Além disso, é nesse bioma, especialmente na região Sudeste, que está grande parte das instituições conservacionistas e de pesquisa, que podem ter se envolvido mais na articulação das ações. O nível de esforço para o registro de invasões biológicas pode estar relacionado com a quantidade de instituições em uma região (Zenni e Ziller, 2011; Sampaio e Schmidt, 2013). Destaca-se ainda a representatividade das ilhas nessas ações. Esses ambientes são reconhecidos por serem sensíveis a invasões, portanto, os efeitos das EEIs são mais devastadores e facilmente perceptíveis (Courchamp et al., 2003; Wong et al., 2005; Reaser et al., 2007).

O manejo de EEI consiste em ações que dependem do estágio no processo de invasão biológica no qual a espécie se encontra. De forma resumida: a prevenção visa evitar a introdução da espécie no novo ambiente; a erradicação consiste em remover todos os indivíduos da população, o que normalmente só é viável, logo após a introdução, quando a população é identificada ainda contida e pequena (detecção precoce e resposta rápida); e o controle é a medida que resta, quando a espécie já está introduzida, estabelecida, muitas vezes dispersa para outros locais e dominante no ambiente (Hulme, 2006). A prevalência de ações previstas nos PANs direcionadas ao controle não surpreende, pois, no Brasil, há uma tendência a focar nessa estratégia, uma vez que o manejo só inicia após a dominância da espécie, quando seus impactos estão nítidos, como também observado por Adelino e colaboradores (2021). Mas é interessante observar a grande quantidade de ações para prevenção, indicando uma percepção quanto à importância dessas medidas. A prevenção é considerada a melhor estratégia para o combate às invasões biológicas, por ser mais econômica, ter mais chances de sucessos e sem trazer impactos ao ambiente (Mack et al., 2002; Leung et al., 2002). Cabe destacar que muitas ações apresentam como foco a erradicação de uma EEI em uma situação inviável ou inexequível, indicando a falta de compreensão do termo e das etapas do manejo no processo de invasão biológica.

A pesquisa como temática sobressalente tende a ser recorrente nos PANs (Martins et al., 2020). O grande número de ações de manejo indica a percepção dos colaboradores dos PANs para a necessidade de atuar em medidas que de fato irão interferir nas populações de EEI; afinal, essas são as ações operacionais com efeito prático. Chama atenção a quantidade de ações relacionadas à articulação interinstitucional, articulação institucional e de normatização, que, juntas, indicam que esse tema carece de uma gestão fortalecida em diversos níveis. Por outro lado, o número de ações sobre sensibilização reflete que ainda há dificuldade de abordar esse tópico. A sensibilização ainda é um gargalo, apesar de ser indiscutivelmente uma das principais ferramentas para lidar com o tema, por exemplo, para evitar novas introduções e para a compreensão quanto a importância do controle populacional.

Essas temáticas têm forte alinhamento com os componentes da Estratégia Nacional para Espécies Exóticas Invasoras (Resolução CONABIO n. 07, de 29 de maio de 2018), reforçando a urgência de direcionamento estratégico, visando à atuação e ao fortalecimento das ações de comunicação, educação, articulação inter e intrainstitucional, normatização, geração, sistematização e disponibilização de conhecimento no enfretamento das EEIs enquanto fonte de ameaça sobre a biodiversidade brasileira.

Na continuidade de melhoria do planejamento de elaboração de PANs, é perti-nente que, em uma reunião preparatória de PAN, após definição da lista de espécies nativas ameaçadas ou espécies ameaçadas contempladas, sejam retornadas as fichas do SALVE para verificar para quais delas as EEI se configuram como uma ameaça. Recomenda-se também que busquem ações relativas às mesmas EEIs em outros PANs, para identificar sinergias e congruências entre os instrumentos de conservação. Assim, é possível indicar ações mais direcionadas, visando fortalecer e facilitar a implementação das ações no combate a essa ameaça.

Para elaboração de um PAN são enviados convites aos órgãos e setores que estão ou devem estar envolvidos com a demanda das EEIs (ICMBio, 2018b). Quando o setor envolvido não responde ou não comparece, é necessário deixar registrado, para que assim possa ser avaliada uma nova estratégia para enfrentamento dessa ameaça ou de envolvimento do setor.

Com os ciclos de vigência dos PANs estabelecidos em suas publicações, as ações devem ser exequíveis em, pelo menos, cinco anos (ICMBio, 2018d). É comum que ações sejam mal implementadas devido ao escopo e ao tempo planejados. Para melhorar a implementação das ações, algumas recomendações são sugeridas. Algumas ações são amplas ou semelhantes, apesar de planejadas com foco em espécies ameaçadas distintas em diferentes PANs. Identificar essas sobreposições e sinergias, tanto entre ações como com outras ferramentas de conservação, pode ser fundamental para otimização na implementação. Por exemplo, o Plano de Ação para o Controle de Gatos em Fernando de Noronha é outro instrumento de planejamento e conservação do ICMBio – planos específicos para unidades de conservação federais, previsto pela Instrução Normativa ICMBio n. 07, de 21 de dezembro de 2017 – que propõe ações para essa EEI que é uma reconhecida ameaça a diversas espécies nativas do arquipélago de Fernando de Noronha, como répteis e aves (ICMBio, 2018c; Gaiotto et al., 2020; Micheletti et al., 2020). Ou ainda ações de diferentes PANs podem ser implementadas de forma agregada, como a realização de cursos, campanhas, workshops e materiais de divulgação com a mesma temática. Por exemplo, muitas ações propõem a elaboração de material sobre EEI poderiam ser integradas para a elaboração de um único material a ser utilizado por diversos CNPCs e parceiros em vários eventos, localidades e públicos. Assim que a ação for concluída, os CNPCs e articuladores do PAN devem divulgar os produtos e resultados, auxiliando na replicação, na implementação de outras ações e na criação de novas, quando necessário, por outros PANs. Superada a necessidade da ação e adquiridos novos conhecimentos, avanços podem ser feitos após a vigência do PAN, sendo possível que novas ações sejam planejadas no próximo ciclo do PAN.

Apesar de o ICMBio ter elaborado, nos últimos anos, alguns produtos para auxiliar de modo a consolidar a agenda de invasões biológicas no Instituto (ICMBio, 2019; ICMBio, 2021b; ICMBio, 2022), a temática da invasão biológica deve ser fortalecida nos demais processos. Os CNPCs têm um importante papel nesse diálogo entre as demais áreas institucionais, demonstrando os impactos das EEIs (fauna e flora) na biodiversidade e a carência de manejo para combater essa ameaça, especialmente em unidades de conservação federais (UCs). Essa problemática já é uma realidade nas UCs (Sampaio e Shmidt, 2013; Guimarães, 2015). Os CNPCs têm apoiado algumas UCs nesse assunto, mas ainda é preciso intensificar esse suporte técnico-científico – por exemplo, com recomendações para os planos de manejo e planos específicos para EEIs que afetem espécies ameaçadas. Aumentar a integração entre os próprios CNPCs na discussão dessa temática também fortalece a agenda e amplia a qualificação dos debates.

Conclusão

A escassez de informação no SALVE sobre os impactos das EEIs dificulta, durante o processo de elaboração de um PAN, tanto a identificação dessa ameaça como o direcionamento de ações para seu enfrentamento. A melhoria na geração, sistematização e disponibilização dessas informações deverá ser alcançada com a alta quantidade de ações já planejadas para pesquisas voltadas a essa ameaça, destacando a importância de subsidiar a implementação de ações mais diretas, assim como o processo de avaliação do risco de extinção da fauna.

Muitas ações foram propostas nos PANs de formas pontuais e sem integração, inclusive entre PANs. Além disso, a falta de recursos humanos e financeiros, assim como a de articulação, são apontados como obstáculos para implementação das ações. A identificação de sinergias e sobreposições entre ações, PANs e parceiros visando à atuação integrada pode levar a otimizar tanto recursos humanos quanto financeiros.

Para o incremento da implementação das ações relativas às EEIs é preciso um maior envolvimento das instituições locais na execução direta das ações. Essas instituições podem ser tanto órgãos estaduais como ONGs e universidades, mas especialmente relevante é a maior participação das unidades de conservação.

Outro fator a ser destacado é a importância de se estabelecer ações que possam ser executadas no âmbito do PAN, preferencialmente na faixa temporal de cinco anos, ainda que, em um ciclo seguinte do PAN, a ação seja continuada ou adaptada a uma nova realidade.

A falta de participantes envolvidos na temática das EEIs durante o processo de elaboração do PAN faz com que esses dados de ameaças às espécies nativas não tenham visibilidade. Apesar de alguns atores estarem envolvidos na pesquisa da biologia e distribuição da espécie, ainda há necessidade de ampliar a percepção da temática, de seus possíveis e já detectados impactos sobre a perda de biodiversidade, tanto por parte da academia quanto pela sociedade em geral, e assim aumentar a quantidade e qualidade de dados disponibilizados. Apesar de a sensibilização ser uma das chaves para a compreensão das EEIs e suas consequências, essa temática ainda está pouco contemplada no planejamento de espécies ameaçadas, talvez pelo desconhecimento de como fazer ou pela falta de atores.

A crescente consciência institucional sobre EEIs deverá ser fortalecida, envolvendo todas as suas unidades organizacionais. Nesse sentido, a atuação dos CNPCs é especialmente importante, em todas as suas frentes, desde avaliação do risco de extinção das espécies, passando pela elaboração e implementação de PANs até a articulação intra e interinstitucional, inclusive nas interações com UCs.

Referências

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Tabela 1 – Lista dos 53 PANs analisados contendo informações sobre sua vigência, Centro Nacional de Pesquisa e Conservação (CNPC) que o coordena, número total de ações, número de ações que tratam do enfretamento a EEI, número total de espécies ameaçadas de extinção contempladas no PAN, além da porcentagem de ações com a temática EEI previstas no conjunto de PAN que cada CNPC coordena.

PAN

Vigência do PAN

CNPC

Total de ações

Ação com EEI

N° de espécies ameaçadas

Porcentagem de ações com EEI

Cavernas

Previsto

CECAV

136

0

104

136

0

104

0%

Albatrozes e petréis

Em execução

CEMAVE

43

18

9

Ararinha-azul

Em execução

CEMAVE

31

1

1

Aves da Amazônia

Em execução

CEMAVE

35

0

53

Aves da Caatinga

Em execução

CEMAVE

77

4

34

Aves da Mata Atlântica

Em execução

CEMAVE

47

6

104

Aves dos Campos Sulinos

Em execução

CEMAVE

49

2

18

Aves do Cerrado e Pantanal

Previsto

CEMAVE

71

0

27

Aves limícolas migratórias

Em execução

CEMAVE

25

1

5

Aves marinhas

Em execução

CEMAVE

59

11

13

Formigueiro-do-litoral

Finalizado

CEMAVE

58

1

1

Papagaios

Em execução

CEMAVE

75

1

3

Pato Mergulhão

Em execução

CEMAVE

29

1

1

Passeriformes dos Campos Sulinos

Finalizado

CEMAVE

62

4

14

Soldadinho-do-araripe

Em execução

CEMAVE

44

2

1

705

52

284

7,30%

Ariranha e lontra

Em execução

CENAP

33

0

1

Canídeos

Em execução

CENAP

47

4

4

Cervídeos

Finalizado

CENAP

66

4

5

Grandes felinos

Em execução

CENAP

53

0

2

Onça-parda

Finalizado

CENAP

40

0

1

Pequenos felinos

Em execução

CENAP

43

5

5

Pequenos mamíferos de áreas abertas

Elaborando

CENAP

37

0

19

Pequenos mamíferos de áreas florestais

Elaborando

CENAP

42

0

16

Ungulados

Em execução

CENAP

84

11

7

445

24

60

5,40%

Baixo e Médio Xingu

Finalizado

CEPAM

91

6

14

Peixes amazônicos

Em execução

CEPAM

32

0

38

123

6

52

4,90%

Peixe-boi-marinho

Em execução

CEPENE

70

0

1

70

0

1

0%

Corais

Em execução

CEPSUL

123

12

52

Lagoas do Sul

Em execução

CEPSUL

142

6

29

Tubarões

Em execução

CEPSUL

66

0

54

331

135

5,40%

Fauna Aquática do Baixo Iguaçu

Em execução

CEPTA

28

5

12

Fauna Aquática do São Francisco

Em execução

CEPTA

23

3

20

Mogi Pardo e Grande

Em execução

CEPTA

38

3

10

Paraíba do Sul

Em execução

CEPTA

55

8

14

Peixes e eglas da Mata Atlântica

Em execução

CEPTA

39

0

90

Rivulídeos

Finalizado

CEPTA

35

0

125

218

19

271

8,70%

Cetáceos marinhos

Em execução

CMA

77

0

6

Mamíferos aquáticos amazônicos

Em execução

CMA

32

0

3

109

0

9

0%

Manguezais

Em execução

CNPT

69

5

20

69

5

20

7,20%

Tamanduá Bandeira e Tatu Canastra

Em execução

CPB

31

0

2

Mamíferos da Mata Atlântica Central

Finalizado

CPB

92

5

22

Primatas amazônicos

Em execução

CPB

26

0

15

Primatas e preguiça da Mata Atlântica

Em execução

CPB

46

7

14

Primatas do Nordeste

Em execução

CPB

33

1

6

Sauim-de-coleira

Em execução

CPB

47

0

1

Tatu-Bola

Em execução

CPB

37

0

1

312

13

61

4,20%

CERPAN

Em execução

RAN

23

1

42

Herpetofauna insular

Finalizado

RAN

62

2

3

Herpetofauna do Sudeste

Em execução

RAN

24

7

37

Herpetofauna do Nordeste

Em execução

RAN

40

5

46

Herpetofauna do Espinhaço Mineiro

Em execução

RAN

30

0

3

Herpetofauna do Sul

Em execução

RAN

43

6

21

222

21

152

9,40%

Tartarugas marinhas

Em execução

TAMAR

56

0

5

56

0

5

0%

*Algumas espécies ameaçadas estão contempladas em mais de um PAN.

Figura 1 – Andamento das ações com espécies exóticas.

Figura 2 – Número de ações por temática.

Biodiversidade Brasileira – BioBrasil.

Fluxo Contínuo e Seção Temática:

Planos de Ação Nacional para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção

n.4, 2023

http://www.icmbio.gov.br/revistaeletronica/index.php/BioBR

Biodiversidade Brasileira é uma publicação eletrônica científica do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que tem como objetivo fomentar a discussão e a disseminação de experiências em conservação e manejo, com foco em unidades de conservação e espécies ameaçadas.

ISSN: 2236-2886