O gado que circulava: Desafios da gestão participativa de unidades de conservação nos gerais do norte de Minas
DOI:
https://doi.org/10.37002/biodiversidadebrasileira.v4i1.367Palavras-chave:
Cerrado, gestão participativa, impactos ambientais, pecuária de solta, uso do fogo.Resumo
No Cerrado, práticas tradicionais, como a pecuária de solta, estão presentes desde o século XVIII, mas ainda não foram devidamente incorporadas no debate sobre gestão participativa. Devido à privatização do espaço rural e à criação de unidades de conservação, as comunidades locais estão sendo "encurraladas" e até excluídas de seus espaços tradicionalmente utilizados. Haveria possibilidades de manter/adaptar a prática tradicional da pecuária de solta na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari? Quais são os entraves para o reconhecimento desta prática como parceira da conservação? O objetivo deste artigo é compreender as dificuldades locais em se implantar a gestão participativa local, assim como analisar a possível harmonização entre a pecuária de solta e os objetivos de conservação. Foi realizada uma pesquisa participativa com os atores locais. O mapeamento dos fluxos de animais nos permitiu retratar melhor o caráter dinâmico e intermitente da ocupação da RDS pelo gado. O rebanho de cada criador segue uma "rota" conhecida por eles e que não se sobrepõe entre si. Este conhecimento revela uma espécie de gestão "indireta" do território pelos criadores através do gado. As regras que regem este tipo de manejo são informais e se baseiam em acordos de cooperação entre os usuários. As entrevistas realizadas revelam as dificuldades de cooperação entre o órgão gestor da UC e os criadores de gado para construir acordos de gestão participativa. Como não reconhece as práticas dos criadores como legítimas, o órgão ambiental busca compensar as restrições de uso e proibição do fogo, diretamente ligado à criação de gado, privilegiando outras atividades, como extrativismo e artesanato. Os criadores, mesmo reconhecendo o impacto causado pela pecuária de solta, atribuem os impactos mais significativos à s monoculturas de eucalipto. A pecuária de solta na RDS Veredas do Acari tem sido motivo de conflito entre os criadores de gado e o IEF, justamente porque há diferentes percepções sobre a responsabilidade e origem dos impactos ambientais a ela associados. No entanto, o conflito entre os criadores de gado solto e outros atores públicos e privados é mais antigo: é ligado ao estabelecimento das cercas e a privatização dos espaços de uso comum.
Referências
Arruda, R. 1999. "Populações tradicionais" e a proteção dos recursos naturais em unidades de conservação. Ambiente & Sociedade, 5: 79-92.
Aubertin, C. & Pinton, F. 1996. De la réforme agraire aux unités de conservation. Histoire des réserves extractivistes de l'Amazonie brésilienne. p. 207-233. In: Alballadejo, C., Tulet, C. (dir.) Les fronts pionniers de l'Amazonie brésilienne. La formation de nouveaux territoires. Éditions L'Harmattan.
Aubertin, C. & Rodary, E. 2011. Protected areas. Sustainable land? IRD/Ashgate.
Bainville S.; Affholder F.; Figuié, M & Madeira, J. 2005. As transformações da agricultura familiar do município de Silvânia: uma pequena revolução nos cerrados brasileiros. Cadernos de Ciência e Tecnologia, 22(2): 269-291.
Bilbao, B.A.; Leal, A.V. & Mendez, C.L. 2010. Indigenous use of fire and forest loss in Canaima National Park, Venezuela. Assessment of and tools for alternative strategies of fire management in Pemón indigenous landscape ecology. Human Ecology, 38: 663-673.
Bosgiraud, M. 2013. Normes environnementales et transformation des pratiques de gestion des ressources dans le Cerrado : l'exemple de l'Aire de Protection Environnementale (APA) Nascentes do Rio Vermelho, Goiás. Mémoire de fin d'études, ISTOM, Paris (França).
Boutrais, J. 2011. Pastoralism and protected areas in West e East Africa. In: Aubertin, C; Rodary, E. Protected areas. Sustainable land? IRD/Ashgate.
Carvalho, I.S. 2007. Potenciais e limitações do uso sustentável da biodiversidade do Cerrado: um estudo de caso da cooperativa Grande Sertão, no Norte de Minas. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável). Universidade de Brasília. 165p.
Carvalho, I.S.H. de. 2011. Serviços ambientais e campesinato: o caso do assentamento Americana (Grão Mogol, Minas Gerais, Brasil). In: III Congreso sobre Manejo de Ecosistemas y Biodiversidad de la VIII Convención Internacional sobre Medio Ambiente y Desarrollo.
__________. 2012. Assentamento Americana e Grupo Agroextrativista do Cerrado: uma experiência agroecológica no Norte de Minas. Universidades e Comunidades no Cerrado (UNICOM), Brasília, Grão Mogol.
Correia, J.R.; Bustamante, P.G.; Lima, I.L.P.; Oliveira, W.L.; Cavechia, L.A.; Sano, S.M. & Scariot, A.O. 2010. Construção do conhecimento sobre uso e conservação de biodiversidade em áreas de geraizeiros no norte de Minas Gerais. p. 229-247. In: Alves, C.; Giuseppe, A.; Souto, F.J.B.; Peroni, N. (eds.) Etnoecologia em perspectiva: natureza, cultura e conservação. Nupeea.
Costa, J.B. de A. 2006. Populações tradicionais do sertão Norte Mineiro e as Interfaces socioambientais vividas. Revista Cerrados, 4(1): 81-108.
Dayrell, C.A. 1998. Geraizeiros e biodiversidade no norte de Minas: a contribuição da agroecologia e da etnoeconologia nos estudos dos agroecossistemas tradicionais. Dissertação (Mestrado). Universidade Internacional de Andaluzia, Andaluzia.
Diegues, A.C.S. 1996. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec.
Diniz, A.M.A. & Batella, W.B. 2005. O estado de Minas Gerais e suas regiões: um resgate histórico das principais propostas oficiais de regionalização. Sociedade & Natureza, 17(33): 59-77.
Dudley, N. 2008. Guidelines for Applying Protected Area Management Categories. Gland, Switzerland: IUCN. x + 86p.
Eloy, L. & Lúcio, S.L.B. 2013. Agricultura tradicional na Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins: caracterização e avaliação agronômica, econômica e socioambiental das roças de esgoto e das roças de toco de comunidades residentes. Produto Consultoria do Projeto: Prevenção, controle e monitoramento de queimadas irregulares e incêndios florestais no Cerrado. PN: 11.9035.4-001.00.
EMBRAPA. 2006. Sistema Brasileiro de classificação de solos. 2. ed., EMBRAPA-SPI, Rio de Janeiro, RJ.
Enters, T. & Anderson, J. 1999. Decentralización y transferencia de competencias en el sector forestal. Disponível em: http://www.fao.org/docrep/x3030s/x3030s00.htm
Falleiro, R. de M. 2011. Resgate do manejo tradicional do Cerrado com fogo para proteção de terras indígenas do Oeste do Mato Grosso: um estudo de caso. Biodiversidade Brasileira, 1(2): 86-96.
Fernandes, M.R. 2009. Refazendo o sertão: o lugar do buriti (Mauritia flexuosa Lnn.f.) na cultura sertaneja de Terra Ronca - GO. Dissertação (Centro de Desenvolvimento Sustentável). Universidade de Brasília. 194p.
Figueiredo, I.B. 2007. Etnobotânica e ecologia populacional de Syngonanthus nitens: sempreviva utilizada para artesanato no Jalapão, Tocantins. Dissertação (Pós - graduação em ecologia). Instituto de Ciências Biológicas. Universidade de Brasília.
FUNATURA. Fundação Pró-Natureza. 2008. Plano de desenvolvimento territorial de base conservacionista do mosaico sertão veredas-peruaçu. Brasília.
Silva, C.E.M. 2000. Desenvolvimento e sustentabilidade nos Cerrados: o caso do sertão norte-mineiro. In: Cerrado e desenvolvimento: tradição e atualidade. Montes Claros. Ed. Unimontes.
_____________. 2009. O Cerrado em disputa: apropriação global e resistências locais. Brasília: Confea, 264p.
Valverde, O. 1985. Geografia da pecuária no Brasil. Disponível em http://www.ceg.ul.pt/finisterra/ numeros/1967-04/04_04.pdf. (Acesso em 26/07/2012).
Van Wilgen, B.W.; Govender, N.; Biggs, H.C.; Ntsala, D. & Funda, X.N. 2004. Response of savanna fire regimes to changing fire management policies in a large african national park. Conservation Biology, 18(6): 1533-1540.
Downloads
Publicado
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2014 Os autores mantêm os direitos autorais de seus artigos sem restrições, concedendo ao editor direitos de ção não exclusivos.
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
Os artigos estão licenciados sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0). O acesso é livre e gratuito para download e leitura, ou seja, é permitido copiar e redistribuir o material em qualquer mídia ou formato.