O gado que circulava: Desafios da gestão participativa de unidades de conservação nos gerais do norte de Minas

Autores

  • Sílvia Laine Borges Lúcio Universidade de Brasília/UnB, Centro de Desenvolvimento Sustentável/CDS
  • Ludivine Eloy Costa Pereira Universidade de Brasília/UnB, Centro de Desenvolvimento Sustentável/CDS
  • Thomas Ludewigs Universidade de Brasília/UnB, Centro de Desenvolvimento Sustentável/CDS

DOI:

https://doi.org/10.37002/biodiversidadebrasileira.v4i1.367

Palavras-chave:

Cerrado, gestão participativa, impactos ambientais, pecuária de solta, uso do fogo.

Resumo

No Cerrado, práticas tradicionais, como a pecuária de solta, estão presentes desde o século XVIII, mas ainda não foram devidamente incorporadas no debate sobre gestão participativa. Devido à privatização do espaço rural e à criação de unidades de conservação, as comunidades locais estão sendo “encurraladas” e até excluídas de seus espaços tradicionalmente utilizados. Haveria possibilidades de manter/adaptar a prática tradicional da pecuária de solta na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari? Quais são os entraves para o reconhecimento desta prática como parceira da conservação? O objetivo deste artigo é compreender as dificuldades locais em se implantar a gestão participativa local, assim como analisar a possível harmonização entre a pecuária de solta e os objetivos de conservação. Foi realizada uma pesquisa participativa com os atores locais. O mapeamento dos fluxos de animais nos permitiu retratar melhor o caráter dinâmico e intermitente da ocupação da RDS pelo gado. O rebanho de cada criador segue uma “rota” conhecida por eles e que não se sobrepõe entre si. Este conhecimento revela uma espécie de gestão “indireta” do território pelos criadores através do gado. As regras que regem este tipo de manejo são informais e se baseiam em acordos de cooperação entre os usuários. As entrevistas realizadas revelam as dificuldades de cooperação entre o órgão gestor da UC e os criadores de gado para construir acordos de gestão participativa. Como não reconhece as práticas dos criadores como legítimas, o órgão ambiental busca compensar as restrições de uso e proibição do fogo, diretamente ligado à criação de gado, privilegiando outras atividades, como extrativismo e artesanato. Os criadores, mesmo reconhecendo o impacto causado pela pecuária de solta, atribuem os impactos mais significativos às monoculturas de eucalipto. A pecuária de solta na RDS Veredas do Acari tem sido motivo de conflito entre os criadores de gado e o IEF, justamente porque há diferentes percepções sobre a responsabilidade e origem dos impactos ambientais a ela associados. No entanto, o conflito entre os criadores de gado solto e outros atores públicos e privados é mais antigo: é ligado ao estabelecimento das cercas e a privatização dos espaços de uso comum.

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Publicado

13/05/2013

Edição

Seção

Pesquisa e manejo de Unidades de Conservação