Revisão sobre os efeitos do fogo em Eriocaulaceae como subsídio para a sua conservação

Autores

  • Ana Carolina de Oliveira Neves Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Biologia Geral, Laboratório de Ecologia e Conservação – Av. Antônio Carlos, 6627, Belo Horizonte, MG, Brasil
  • Lúcio Cadaval Bedê Conservação Internacional (CI Brasil) – Av. Getúlio Vargas, 1300, 7º andar, Belo Horizonte, MG, Brasil
  • Rogério Parentoni Martins Universidade Federal do Ceará (UFCE), Centro de Ciências, Departamento de Biologia – Av. da Universidade, 2853, Fortaleza, CE, Brasil

DOI:

https://doi.org/10.37002/biodiversidadebrasileira.v1i2.115

Palavras-chave:

cerrado, demografia, história de vida, queimadas, sempre-vivas

Resumo

Eriocaulaceae é uma das famílias mais numerosas e ricas em endemismos do Cerrado. A beleza das suas inflorescências faz com que espécies conhecidas como sempre-vivas (plantas de diversas famílias que tem suas inflorescências pouco alteradas após serem colhidas e desidratadas), sejam cobiçadas pelo mercado nacional e internacional de plantas ornamentais secas. O declínio das populações de várias eriocauláceas tem sido atribuído a um aparente aumento da freqüência de queimadas realizadas no Cerrado para renovar pastagens, preparar o solo para a agricultura e devido ao manejo extrativista. Neste trabalho, revisamos a literatura científica que trata da ação do fogo em sete espécies de Eriocaulaceae que ocorrem no Cerrado. O fogo promoveu o aumento do número de indivíduos reprodutivos nas três espécies estudadas quanto a esse aspecto (Actinocephalus polyanthus, Comanthera elegantula e Syngonanthus nitens), de inflorescências por indivíduo em duas entre quatro espécies (Comanthera elegantula e Leiothrix crassifolia) e de sementes por capítulo na única espécie estudada nesse aspecto (S. nitens). O fogo estimulou ainda o recrutamento por plântulas devido à eliminação da vegetação competidora em três das quatro espécies estudadas (A. polyanthus, C. elegantula e Leiothrix arrecta, e por brotamentos em S. nitens). Em espécies policárpicas, o aumento do esforço reprodutivo pode impactar negativamente a produção de inflorescências nos anos seguintes à primeira estação reprodutiva após a queima (ex. C. elegantula e S. nitens), além do crescimento e sobrevivência de indivíduos em idade reprodutiva (ex. C. elegantula</i.). Entretanto, a mortalidade e a redução do crescimento podem ser atenuados pela coleta de escapos antes que as sementes sejam produzidas, como foi observado em C. elegantula. Queimadas freqüentes podem levar populações ao declínio através da exaustão do banco de sementes, mortalidade (principalmente de plântulas) e estímulo à reprodução e morte precoce em espécies monocárpicas. Por outro lado, a exclusão de queimadas por longos períodos pode levar as populações ao envelhecimento e ao declínio devido à redução no recrutamento e aumento da mortalidade, causadas pelo aumento da vegetação competidora. Considerações sobre o manejo de espécies de Eriocaulaceae são feitas, considerando diferenças em suas histórias de vida. 

Referências

Bedê, L.C. 2006. Alternativas para o uso sustentado de sempre-vivas: efeitos do manejo extrativista sobre Syngonanthus elegantulus Ruhland (Eriocaulaceae). Tese (Doutorado em Ecologia, Conservação e Manejo da Visa Silvestre). Universidade Federal de Minas Gerais. 184p.

Bond, W.J. & Keeley, J.E. 2005. Fire as a global ‘herbivore’: the ecology and evolution of flammable ecosystems. Trends in Ecology and Evolution 20 (7): 387-394.

Chapman, R.R. & Crow, G.E. 1981. Application of Raunkiaer’s life form system to plant species survival after fire. Bulletin of the Torrey Botanical Club 108 (4): 472-478.

Coelho, F.F.; Capelo, C.; Ribeiro, L.C. & Figueira, J.E.C. 2007. Reproductive modes in Leiothrix (Eriocaulaceae) in South-eastern Brazil: the role of microenvironmental heterogeneity. Annals of Botany 1-8.

Coelho, F.F.; Capelo, C.D. & Figueira, J.E.C. 2008. Seedlings and ramets recruitment in two rhizomatous species of Rupestrian grasslands: Leiothrix curvifolia var. lanuginosa and Leiothrix crassifolia (Eriocaulaceae). Flora 203(2): 152-161.

Costa, F.N.; Trovo, M. & Sano, P.T. 2008. Eriocaulaceae na Cadeia do Espinhaço: riqueza, endemismo e ameaças. Megadiversidade 4 (12): 89-97.

Coutinho, L.M. 2000. Cerrado. . (Acesso em 30/03/2011).

Dellasala, D.A.; Williams, J.E.; Williams, C.D. & Franklin, J.F. 2004. Beyond smoke and mirrors: a syntesis of fire policy and fire. Conservation Biology 18 (4): 976-986.

Dombeck, M.P.; Williams, J.E. & Wood, C.A. 2004. Wildfire policy and public lands: integrating scientific understanding with social concerns across landscapes. Conservation Biology 18(4): 883-889.

Eiten, G. 1972. The Cerrado vegetation of Brazil. Botanical Review 38 (2): 201-341.

Figueira, J.E.C. 1998. Dinâmica de populações de Paepalanthus polyanthus (Eriocaulaceae) na Serra do Cipó, MG. Tese (Doutorado em Ecologia). Universidade Estadual de Campinas. 112p.

Figueiredo, I.B. 2007. Efeito do fogo em populações de capim dourado (Syngonanthus nitens, Eriocaulaceae) no Jalapão, TO. Dissertação (Mestrado em Ecologia). Universidade de Brasília. 72p.

França, H. & Ribeiro, K.T. 2008. Mapeamento de queimadas no parque Nacional da Serra do Cipó e na Área de Proteção Ambiental Morro da Pedreira, MG: 1984-2007. Relatório Técnico. 75p.

Frost, P.G.H. & Robertson, F. 1987. The ecological effects of fire in savannas, p. 93-140. In Walker, B.H. (ed.) Determinants of tropical savannas. IRL Press. Fundação Biodiversitas. 2007. Revisão das listas das espécies da flora e da fauna ameaçadas de extinção do estado de Minas Gerais. Relatório Técnico. 104p.

Garcia, Q.S. & Oliveira, P.G. 2007. Germination patterns and seed longevity of monocotyledons from the Brazilian Campos Rupestres. Seed Science and Biotechnology 1(2): 35-41.

Giulietti, A.M. & Hensold, N. 1990. Padrões de distribuição geográfica dos gêneros de Eriocaulaceae. Acta Botanica Brasilica 4 (1): 133-159.

Giulietti, A.M. 1984. Os gêneros Eriocaulon L. e Leiothrix Ruhl. (Eriocaulaceae) na Serra do Cipó, Minas Gerais, Brasil. Tese (Livre-docência). Universidade de São Paulo. 269p.

Giulietti, A.M.; Menezes, N.L.; Pirani, J.R.; Meguro, M. & Wanderley, M.G.L. 1987. Flora da Serra do Cipó, Minas Gerais: caracterização e lista das espécies. Boletim de Botânica da Universidade de São Paulo 9: 1- 151.

Giulietti, N.; Giulietti, A.; Pirani, J. R. & Menezes, N.L. 1988. Estudos em sempre-vivas: importância econômica do extrativismo em Minas Gerais, Brasil. Acta Botanica Brasilica 1(2): 179-193.

Giulietti, A.M.; Harley, R.M.; Queiroz, L.P.; Wanderley, M.G.L. & Van den Berg, C. 2005. Biodiversidade e conservação das plantas no Brasil. Megadiversidade 1 (1): 52-61.

Giulietti, A.M.; Rapini, A.; Andrade, M.J.G.; Queiroz, J.P. & Silva, L.M.C. 2009. Plantas Raras do Brasil. Conservação Internacional. 495p.

Grace, J.B. 1993. The adaptative significance of clonal reproduction in angiosperms: an aquatic perspective. Aquatic Botany 44: 159-180.

Hardesty, J.; Myers, R. & Fulks, W. 2005. Fire, ecosystems, and people: a preliminary assessment of fire as a global conservation issue. The George Wright Forum 22: 78-87.

Hawkes, C.V. & Menges, E.S. 1995. Density and seed production of a Florida Endemic, Polygonella basiramia, in relation to time since fire and open sand American Midland Naturalist 133 (1): 138-148.

Instituto Terra Brasilis. 1999. Projeto sempre-vivas: subsídios para seu uso sustentado. Relatório Técnico. 123p.

Kauffman, J.B.; Cummings, D.L. & Ward, D.E. 1994. Relationships of fire, biomass and nutrient dynamics along a vegetation gradient in the Brazilian Cerrado. The Journal of Ecology 82 (3): 519-531.

Klink, C.A. & Moreira, A.G. 2002. Past and current human occupation and land-use, p. 69-88. In: Oliveira, P.S.; Marquis, R.J. (org.). The Cerrado of Brazil: Ecology and natural history of a neotropical savanna. Columbia University Press. 424 p.

Lazzari, L.R.P. 2000. Redelimitação e revisão de Syngonanthus sect. Eulepis (Bong. ex Koern.) Ruhland – Eriocaulaceae. Tese (Doutorado em Botânica). Universidade de São Paulo. 201p.

Machado, R.B.; Ramos Neto, M.B.; Pereira, P.G.P.; Caldas, E.F.; Golçalves, D.A.; Santos, N.S.; Tabor, K. & Steininger, M. 2004. Estimativas de perda da área do Cerrado brasileiro. Relatório Técnico. 23p.

Menezes, N.L. & Giulietti, A.M. 2000. Campos rupestres, p. 65-73. In: Mendonça, M.P. & Lins, L.V. (orgs.) Lista Vermelha das espécies ameaçadas de extinção da flora de Minas Gerais. Fundação Biodiversitas/Fundação Zoobotânica. 157p.

Miranda, C.A. 2002. Dinânica de combustível vegetal na Serra do Cipó: Paepalanthus polyanthus como bioindicadora. Dissertação (Mestrado em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre). Universidade Federal de Minas Gerais. 110p.

Mistry, J. 1998. Decision-making for fire use among farmers in savannas: an exploratory study in the Distrito Federal, central Brazil. Journal of Environmental Management 54: 321–334.

Monteiro-Scanavacca, W. R.; Mazzoni, S. C. & Giulietti, A. M. 1976. Reprodução vegetativa a partir da inflorescência em Eriocaulaceae. Boletim de Botânica da Universidade de São Paulo 4: 61-72.

Obeso, J.R. 2002. The costs of reproduction in plants. New Phytologist 155: 321–348.

Ohara, M.; Takada, T. & Kawano, S. 2001. Demography and reproductive strategies of a polycarpic perennial, Trillium apetalon (Trilliaceae). Plant Species Biology 16: 209–217.

Oriani, A.; Sano, P.T. & Scatena, V.L. 2009. Pollination biology of Syngonanthus elegans. Australian Journal of Botany 57, 94–105.

Parra, L.R.; Giulietti, A.M.; Andrade, M.J.G. & Berg, C. 2010. Reestablishment and new circumscription of Comanthera (Eriocaulaceae). Taxon 59 (4): 1135–1146.

Pivello, V.R. 2006. Fire management for biological conservation in the Brazilian Cerrado. In: J. Mistry; A. Berardi. (Org.). Savannas and Dry Forests - Linking People with Nature. 1 ed. Hants: Ashgate, v. 1, p. 129-154.

Pivello, V. 2011. The use of fire in the Cerrado and Amazonian rainforests of Brazil: past and present. Fire Ecology 7 (1): 24-39.

Ramos, C.O.C.; Borba, E. & Funch, L. 2005. Pollination in Brazilian Syngonanthus species. Annals of Botany 96: 387–397.

Ramos-Neto, M.B. & Pivello, V.R. 2000. Lightning fires in a Brazilian savanna national park: rethinking management strategies. Environmental Management 26: 675-684.

Rosa, M.M. & Scatena, V.L. 2003. Floral anatomy of Eriocaulon elichrysoides and Syngonanthus caulescens (Eriocaulaceae). Flora 198: 188–199.

Rosa, M.M. & Scatena, V.L. 2007. Floral anatomy of Paepalanthoideae (Eriocaulaceae, Poales) and their nectariferous structures. Annals of Botany 99: 131–139.

Roy, J. & Sonié, L. 1992. Germination and population dynamics of Cistus species in relation to fire. The Journal of Applied Ecology 29 (3): 647-655.

Saturnino, H.M.; Saturnino, M.A.C. & Brandão, M. 1977. Algumas considerações sobre exportação e importação de plantas ornamentais em Minas Gerais. In: XXIII Congresso Nacional de Botânica. Anais da Sociedade de Botânica do Brasil. Pp. 213-217.

Sawyer, N.W.; Mertins, D.S. & Schuster, L.A. 2005. Pollination biology of Eriocaulon parkeri in Connecticut. Aquatic Botany 82:113–120.

Scatena, V.L.; Vich, D.V. & Parra, L.R. 2004. Anatomia de escapos, folhas e brácteas de Syngonanthus sect. Eulepis (Bong. ex Koern.) Ruhland (Eriocaulaceae). Acta Botanica Brasilica 18(4): 825-837.

Scatena, V.L.; Giulietti, A.M.; Borba, E.L. & van den Berg, C. 2005. Anatomy of Brazilian Eriocaulaceae: correlation with taxonomy and habitat using multivariate analyses. Plant Systematics and Evolution 253: 1–22.

Schmidt, I.B.; Figueiredo, I.B. & Scariot, A. 2007. Ethnobotany and effects of harvesting on the population ecology of Syngonanthus nitens (Bong.) Ruhland (Eriocaulaceae), a NTFP from Jalapão Region, Central Brazil. Economic Botany 61(1): 73–85.

Schmidt, I.B.; Figueiredo, I.B., Borghetti, F. & Scariot, A. 2008. Produção e germinação de sementes de “capim dourado”, Syngonanthus nitens (Bong.) Ruhland (Eriocaulaceae): implicações para o manejo. Acta Botanica Brasilica 22(1): 37-42.

Simon, M.F.; Grether, R.; Queiroz, L.P.; Skema, C.; Pennington, R.T. & Hughes, C.E. 2009. Recent assembly of the Cerrado, a neotropical plant diversity hotspot, by in situ evolution of adaptations to fire. PNAS 106 (48): 20359–20364.

Smith, W.G. 1913. Raunkiaer’s “life-forms” and statistical methods. The Journal of Ecology 1 (1): 16-26. Stearns, S.C. 1989. Trade-offs in life history evolution. Functional Ecology 3: 259-268.

Valette, J.C.; Gomendy, V.; Marechal, J.; Houssard, C. & Gillon, D. 1994. Heat-transfer in the soil during very low-intensity experimental fires - the role of duff and soil-moisture content International Journal of Wildland Fire 4(4): 225 – 237.

Warming, E. 1973. Lagoa Santa. Pp 9-284. In: Warming, E. & Ferri, M.G. Lagoa Santa e Vegetação dos Cerrados Brasileiros. Ed. Itatiaia. 362p.

Watson, L.E.; Uno, G.E.; McCarty, N.A. & Kornkven, A.B. 1994. Conservation biology of a rare plant species, Eriocaulon kornickianum (Eriocaulaceae). American Journal of Botany 81 (8): 980-986.

Williams, G.C. 1966. Natural selection, the costs of reproduction, and the refinement of Lack’s principle. American Naturalist 100: 687–690.

Downloads

Publicado

12/04/2024