Avaliação do estado de conservação da tartaruga marinha Chelonia mydas (Linnaeus, 1758) no Brasil
DOI:
https://doi.org/10.37002/biodiversidadebrasileira.v1i1.87Palavras-chave:
Tartaruga Marinha Chelonia mydas, estado de conservaçãoResumo
Apresentação e justificativa de categorização O estado de conservação da tartaruga marinha Chelonia mydas (Linnaeus, 1758) (Cheloniidae) foi avaliado de acordo com os critérios da IUCN (2001), com base nos dados disponíveis até 2009. Síntese do processo de avaliação das tartarugas marinhas pode ser encontrada em Peres et al., neste número. A categoria proposta para o táxon é "Vulnerável (VU)" segundo o critério A2ab, ou seja, ameaçado, de acordo com informações sobre redução da população. A espécie Chelonia mydas possui distribuição cosmopolita, desde os trópicos até as zonas temperadas, sendo a espécie de tartaruga marinha que apresenta hábitos mais costeiros, utilizando inclusive estuários de rios e lagos. As desovas ocorrem principalmente nas ilhas oceânicas, Ilha da Trindade (ES), Atol das Rocas (RN) e Fernando de Noronha (PE). Na costa brasileira, áreas de desova secundárias ocorrem no litoral norte do estado da Bahia. Esporadicamente ocorrem também ninhos nos estados do Espírito Santo, Sergipe e Rio Grande do Norte. Ocorrências não reprodutivas são registradas em toda a costa do Brasil e também nas ilhas. Este táxon apresenta ciclo de vida longo, com maturação sexual entre 26 e 40 anos. É altamente migratório. As fêmeas migram das áreas de alimentação e descanso para as áreas de reprodução, em deslocamentos que podem chegar a mais de 1500 km. São onívoros nos primeiros anos de vida e depois adotam dieta exclusivamente herbívora. Pelo fato das áreas prioritárias de reprodução estarem localizadas em ilhas oceânicas isoladas, C. mydas sofreu menor impacto de predação sobre ovos e fêmeas que outras espécies, e estas áreas de desova não estão sujeitas à ocupação desordenada da zona costeira. Esta espécie apresenta o maior número de indivíduos juvenis mortos encalhados ao longo da costa brasileira em decorrência do aumento da pesca costeira de emalhe. Não existem dados quantitativos comprovados da abundância deste táxon para o período anterior ao levantamento realizado pelo TAMAR entre 1980-82, onde está registrada a interrupção do ciclo de vida desses animais em várias áreas visitadas, devido a um longo histórico de coleta de praticamente todos os ovos e abate de quase todas as fêmeas. Historicamente, a abundância destas populações era enorme. A falta de perspectiva adequada para quantificação ou o uso de uma linha imaginaria de dados iniciais de abundância para o estudo de tendência populacional podem levar a uma interpretação errônea destas análises. A síndrome da mudança de referencial (shifting baseline syndrome) é conhecida como o uso de dados de tamanho da população que correspondem ao inicio das atividades dos pesquisadores e não da sua real abundância no passado, o que pode levar a subestimativa da perda populacional (Bjorndal 1999). Considera-se que o índice de abundância populacional mais adequado para as tartarugas marinhas seja o número de ninhos em cada temporada. A espécie vem mantendo um número estável de ninhos ao longo dos últimos anos. Adicionalmente, algumas características da estratégia de vida das tartarugas marinhas como a maturação tardia e ciclo de vida longo tornam a recuperação muito lenta. É possível que os números de desovas observados até o presente não se mantenham no futuro, devido à ação das atuais ameaças sobre o estoque de juvenis a serem recrutados para a população reprodutiva. Além disso, os estudos de tendência de população não cobrem um tempo geracional para este táxon (estimado em no mínimo 35,5 anos). Portanto, a manutenção do número de ninhos ou do tamanho populacional observado só poderá ser considerada consistente quando a série histórica de dados for mais longa, incluindo várias décadas. Mantém-se a categoria VU, pois a população brasileira está isolada, não havendo a possibilidade de migração de adultos de outras regiões para o Brasil: as tartarugas marinhas são conhecidas por sua alta filopatria (homing) - capacidade das fêmeas de voltarem para se reproduzir na praia onde nasceram, tornando praticamente impossível a recolonização das praias por fêmeas oriundas de outras populações. O táxon apresenta alta mortalidade de juvenis por captura incidental em pescarias costeiras ao longo de toda a costa brasileira.
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