Fogo e artesanato de capim-dourado no Jalapão – usos tradicionais e consequências ecológicas

Autores

  • Isabel Belloni Schmidt Ibama – Instituto Brasilieiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – SCEN, Trecho 2, Ed. Sede, CEP 70818-900, Brasília, DF
  • Maurício Bonesso Sampaio PEQUI – Pesquisa e Conservação do Cerrado
  • Isabel Benedetti Figueiredo Instituto Sociedade População e Natureza – ISPN – SCLN 202, Bloco B, Salas 101 a 104, CEP 70832-525, Brasília, DF
  • Tamara Ticktin Botany Department, University of Hawai‘i at Manoa, 3190 Maile Way, # 101, 96822, Honolulu, Hawai‘i, EUA.

DOI:

https://doi.org/10.37002/biodiversidadebrasileira.v1i2.116

Palavras-chave:

extrativismo, gestão de recursos naturais, produtos da biodiversidade, produtos florestais não-madeireiros, uso sustentável

Resumo

O artesanato de hastes florais de capim-dourado Syngonanthus nitens, Eriocaulaceae) costuradas com as fibras de folhas-jovens de buriti (Mauritia flexuosa, Arecaceae) tornou-se símbolo da região do Jalapão e mesmo de todo o estado de Tocantins na última década. Além do extrativismo vegetal, esta importante atividade econômica envolve o uso do fogo para o estímulo da floração do capim-dourado. Este artigo sintetiza resultados de estudos etno-ecológicos desenvolvidos em cooperação com comunidades rurais e gestores ambientais do Jalapão entre 2002 e 2011. Os estudos centraram-se nos efeitos do extrativismo de hastes de capim-dourado e folhas-jovens de buriti nas populações destas espécies, bem como nos efeitos do uso do fogo para o manejo dos campos úmidos de colheita de capim-dourado. Conforme relatado por extrativistas experientes, queimadas bienais estimulam a floração, ou seja, a produção de hastes do capim-dourado. Além disto, simulações numéricas indicam que queimadas bienais são ideais para o crescimento populacional de capim-dourado em longo prazo. Intervalos de queima mais longos, apesar de não estimularem a floração, não prejudicam as populações desta espécie. As populações de capim-dourado são muito resistentes a queimas, no entanto, apresentaram flutuações anuais significativas em resposta a variações também anuais na precipitação durante o período chuvoso. Estas características são provavelmente compartilhadas por outras dezenas de espécies vegetais dos campos úmidos. A colheita de hastes de capimdourado após 20 de setembro, como determinado por legislação estadual em Tocantins, não tem efeitos negativos sobre os indivíduos tampouco sobre as populações de capim-dourado. A colheita de folhas-jovens de buriti para a obtenção das fibras utilizadas para costurar o capim-dourado não causam efeitos negativos em indivíduos e populações de buriti, na intensidade praticada no Jalapão. A legislação atual é adequada a todo o estado do Tocantins, pois previne a colheita precoce de capim-dourado, que é extremamente prejudicial à conservação da espécie. Ações para prevenção da colheita precoce devem envolver educação ambiental e fiscalização. Como forma de reduzir a incidência de incêndios de grande extensão na região deve-se capacitar os moradores locais para o uso controlado do fogo. Queimadas controladas nos campos úmidos devem ser feitas com extremo cuidado para evitar incêndios em fisionomias sensíveis ao fogo, como as áreas de ocorrência de buriti. Palavras-chave: extrativismo; gestão de recursos naturais; produtos da biodiversidade; produtos florestais não-madeireiros; uso sustentável.

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Publicado

12/04/2024