Manejo integrado do fogo
trajetória da estação ecológica Serra Geral do Tocantins (2001 a 2020)
DOI:
https://doi.org/10.37002/biodiversidadebrasileira.v11i2.1739Palavras-chave:
Diálogo de saberes, efetividade de manejo, gestão participativa, manejo adaptativo, políticas de gestão do fogoResumo
O fogo tem sido considerado um fator-chave para a biodiversidade das savanas tropicais, em termos evolutivos e ecológicos, e por isso precisa ser melhor compreendido e melhor utilizado no manejo das áreas protegidas. Entretanto, por muitas décadas, prevaleceu a busca pela exclusão do fogo das áreas naturais mobilizando elevados investimentos em equipes e equipamentos. Repetidas vezes tal decisão de manejo resultou em grandes incêndios nas savanas, devido ao acúmulo e continuidade de material combustível, junto a elevados impactos sociais, especialmente para os povos e comunidades tradicionais. A constatação da inevitabilidade do fogo em tal contexto levou à aceitação de seu uso como um ‘mal necessário' em algumas circunstâncias, quase que exclusivamente para controle de combustível e redução de incêndios. Uma terceira abordagem de gestão, emergente, entende o fogo como um fator ‘necessário' tanto para a biodiversidade como para as pessoas que vivem em ecossistemas que evoluíram com o fogo, sendo que a definição de objetivos e estratégias de manejo deve ser alcançada em ambientes e processos multiatores. Vem sendo chamada de manejo integrado do fogo (MIF) esta abordagem que lida com diferentes expectativas e necessidades, respeitando especificidades locais. No Brasil, a mudança de paradigma da exclusão do fogo à adoção do MIF não deveria ser contada sem a experiência da Estação Ecológica Serra Geral de Tocantins, uma unidade de conservação (UC) de proteção integral criada em 2001 parcialmente sobre território quilombola. Uma década de manejo visando a exclusão do fogo nos mais de 700 mil ha de Cerrado protegidos pela UC levou a área ao topo do ranking de UC mais incendiadas no país, e as comunidades locais se viram ameaçadas em suas formas de vida, tanto pela recorrência de grandes incêndios como pela coibição de suas práticas tradicionais. A negociação de termos de compromisso com a comunidade quilombola envolveu estudos, oficinas, intercâmbios, capacitações e vivências que impulsionaram a transição entre paradigmas de gestão do fogo. Primeiro houve a aceitação do fogo como ferramenta, para confecção de aceiros, e desde 2014 o fogo é manejado sob múltiplas perspectivas, tanto pela equipe da UC como pelos quilombolas, considerando um horizonte comum e dialogado de criação de mosaico de regime de queimas. A premissa, sob investigação científica, é de que nos ambientes evoluídos com o fogo a pirodiversidade é correlacionada à biodiversidade. Grandes incêndios já não mais ocorrem, e percebe-se um ambiente muito mais saudável de diálogo, aprendizagem coletiva e de redução de conflitos. Essas mudanças de manejo foram incorporadas nos instrumentos oficiais de gestão, exigindo debates e aprendizagem em toda a hierarquia institucional. As experiências estão sendo compartilhadas com equipes de outras áreas protegidas em nível nacional e internacional
Referências
Alvarado ST, Silva TSF, Archibald S. Management impacts on fire occurrence: a comparison of fire regimes of African and South American tropical savannas in different protected areas. Journal of environmental management, 218: 79-87, 2018.
Archibald S. Managing the human component of fire regimes: lessons from Africa. Philosophical Transactions of the Royal Society of London B: Biological Sciences, 371 (1696): 20150346, 2016.
Barradas ACS, Borges MA, Costa MM. 2014. Plano de Manejo Integrado do Fogo para a Estação Ecológica. ICMBio, Rio da Conceição.
Barradas ACS. 2017. A Gestão do Fogo na Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins. Dissertação (Mestrado Profissional Biodiversidade em Unidades de Conservação). Escola Nacional de Botânica Tropical/ Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 123p.
Barradas ACS, Borges MA, Costa MM, Ribeiro KT. Paradigmas da Gestão do Fogo em Áreas Protegidas no Mundo e o Caso da Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins. Biodiversidade Brasileira, BioBrasil, (2), 71-86, 2020.
Barradas ACS, Borges MA, Costa MM. 2020. Relatório de Gestão do Fogo - Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins 2018/2019. ICMBio, Rio da Conceição.
Beatty R. 2013. Estado do Tocantins - MIF - Situação Atual, Estratégias e Recomendações Piloto. Technical Report. GIZ, Brasília.
Bilbao BA, Leal AV, Méndez CL. Indigenous Use of Fire and Forest Loss in Canaima National Park, Venezuela. Assessment of and Tools for Alternative Strategies of Fire Management in Pemón Indigenous Lands. Human Ecology, 38(5), 663-673, 2010.
Bilbao B, Mistry J, Millán A, Berardi A. Sharing Multiple Perspectives on Burning: Towards a Participatory and Intercultural Fire Management Policy in Venezuela, Brazil, and Guyana. Fire: 2(3): 39, 2019.
Bond, WJ, Keeley JE. Fire as a global ‘herbivore': the ecology and evolution of flammable ecosystems. Trends in Ecology & Evolution, 20(7): 387-394, 2005.
Bond WJ, Woodward FI, Midgley GF. The global distribution of ecosystems in a world without fire. New Phytologist, 165(2), 525-538, 2005.
Bond WJ, Parr CL. Beyond the forest edge: ecology, diversity and conservation of the grassy biomes. Biological Conservation, 143(10): 2395-2404, 2010.
Bowman DM, et al. The human dimension of fire regimes on Earth. Journal of Biogeography, 38(12), 2223-2236, 2011.
Bowman DM, Perry GL, Higgins SI, Johnson CN, Fuhlendorf SD, Murphy BP. Pyrodiversity is the coupling of biodiversity and fire regimes in food webs. Philosophical Transactions of the Royal Society of London B, 371(1696): 20150169, 2016.
Carvalho SMG. 2002. Sistema de Fiscalização da Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins. IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Coutinho LM. O conceito de cerrado. Revista Brasileira de Botânica, 1: 17-23, 1978.
Coutinho LM. As queimadas e seu papel ecológico. Brasil Florestal, 10: 15-23, 1980.
Coutinho LM. 1990. Fire in the ecology of the Brazilian Cerrado. Pp. 82-105. In: Goldammer JG. (eds) Fire in the Tropical Biota. Ecological Studies (Analysis and Synthesis), vol 84. Springer, Berlin, Heidelberg.
Durigan G, Ratter JA. The need for a consistent fire policy for Cerrado conservation. Journal of Applied Ecology, 53(1): 11-15, 2016.
Durigan G. Zero-fire: not possible nor desirable in the Cerrado of Brazil. Flora, 268:151612, 2020.
Durigan G, et al. No net loss of species diversity after prescribed fires in the Brazilian Savanna. Frontiers in Forests and Global Change, 3: 13, 2020.
Fagundes GM. 2019a. Fogos Gerais: Transformações Tecnopolíticas na Conservação do Cerrado (Jalapão, TO). Tese (Doutorado em Antropologia Social) Universidade de Brasília. 444p.
Fagundes GM. 2019b. Fire normativities: environmental conservation and quilombola forms of life in the Brazilian savanna. Vibrant, Florianópolis, 16: 1-22, 2019b.
Falleiro RM, Santana MT, Berni CR. As contribuições do Manejo Integrado do Fogo para o controle dos incêndios florestais nas Terras Indígenas do Brasil. Biodiversidade Brasileira, 6(2): 88-105, 2016.
Fidelis A, Alvarado ST, Barradas ACS, Pivello VR. The year 2017: megafires and management in the Cerrado. Fire, 1(3): 49, 2018.
Fidelis A, et al. 2019. Monitoramento dos padrões temporais e espaciais dos regimes de fogo e acúmulo de material combustível em unidades de conservação com fisionomias campestres e savânicas: implicações para o desenvolvimento de estratégias de manejo integrado de fogo (Projeto CNPq/PREVGOFO n. 441968/2018-0). Rio Claro, UNESP.
França H, Neto MBR, Setzer AW. 2007. O Fogo no Parque Nacional das Emas. Série Biodiversidade, vol. 27. Ministério do Meio Ambiente, Brasília. 140p.
Franke J, et al. 2018. Fuel load mapping in the Brazilian Cerrado in support of integrated fire management. Remote Sensing of Environment, 217: 221-232, 2018.
ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). 2014. Plano de Manejo da Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins. Brasília. 575p.
Kueffer, C, et al. Enabling effective problem-oriented research for sustainable development. Ecology and Society, 17(4): 8, 2012.
Laris P, Wardell DA. Good, bad or ‘necessary evil'? Reinterpreting the colonial burning experiments in the savanna landscapes of West Africa. Geographical Journal, 172(4): 271-290, 2006.
Lehmann CE, et al. Savanna vegetation-fire-climate relationships differ among continents. Science, 343(6170): 548-552, 2014.
Lindoso LC. 2014. Recursos de Uso Comum nos Gerais do Jalapão: uma Análise Institucionalista do Termo de Compromisso com Populações Tradicionais no Interior de Unidades de Conservação. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional). Universidade Federal do Tocantins. 207p.
Martin RE, Sapsis DB. 1992. Fires as agents of biodiversity: pyrodiversity promotes biodiversity. Pp. 150-157. In: Proceedings of the Conference on Biodiversity of Northwest California Ecosystems. Cooperative Extension, University of California, Berkeley.
Mascarenhas A, Cortes A. 2012. Planejamento de Aceiros ESEC Serra Geral do Tocantins no ano de 2012. ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Mistry J, Bilbao BA, Berardi A. Community owned solutions for fire management in tropical ecosystems: case studies from Indigenous communities of South America. Philosophical Transactions of the Royal Society of London B, 371(1696), 20150174, 2016.
Myers RL. 2006. Living with Fire: Sustaining Ecosystems & Livelihoods through Integrated Fire Management. The Nature Conservancy, Global Fire Initiative. 30p.
Nogueira C. 2015. Plano de Pesquisa para a Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins. ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Overbeck, G.E, et al. Conservation in Brazil needs to include non-forest ecosystems. Diversity and Distributions, 21: 1455-1460, 2015.
Parr CL, Lehmann CE, Bond WJ, Hoffmann,WA, Andersen AN. Tropical grassy biomes: misunderstood, neglected, and under threat. Trends in Ecology & Evolution, 29(4): 205-213, 2014.
Pausas JG, Parr CL. Towards an understanding of the evolutionary role of fire in animals. Evolutionary Ecology, 32(2-3): 113-125, 2018.
Pausas JG, Keeley JE. A burning story: the role of fire in the history of life. BioScience, 59(7): 593-601, 2009.
Pyne SJ. 1997. World fire: the culture of fire on earth. University of Washington press.
Pivello VR, Coutinho LM. Transfer of macro-nutrients to the atmosphere during experimental burnings in an open cerrado (Brazilian savanna). Journal of tropical Ecology, 8(4): 487-497, 1992.
Pivello VR, Coutinho LM. A qualitative successional model to assist in the management of Brazilian cerrados. Forest Ecology and Management, 87(1-3), 127-138,1996.
Pivello VR. The use of fire in the Cerrado and Amazonian rainforests of Brazil: past and present. Fire Ecology, 7: 24-39, 2011.
Ramos-Neto MB, Pivello VR. Lightning fires in a Brazilian savanna National Park: rethinking management strategies. Environmental Management, 26(6): 675-684, 2000.
Ribeiro KT, et al. Impactos do Programa Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade - Sisbiota Brasil. Parcerias Estratégicas, 24(48):119-132, 2019.
Russell-Smith, J, et al. Aboriginal resource utilization and fire management practice in Western Arnherm Land, Monsoonal Northern Australia: notes from prehistory, lessons for the future. Human Ecology, 25:159-195, 1997.
Salgado-Labouriau ML, Ferraz-Vincentini KR. Fire in the Cerrado 32,000 years ago. Current Research in the Pleistocene, 11: 85-87, 1994.
Silva ACMD. 2019. Uma escrita contra-colonialista do quilombo Mumbuca Jalapão-TO. Dissertação (Mestrado em Sustentabilidade Junto a Povos e Territórios Tradicionais). Universidade de Brasília. 107p.
Schmidt I.B, et al. Fire management in the Brazilian savanna: First steps and the way forward. Journal of Applied Ecology: 55(5), 2094-2101, 2018.
Simon MF, Grether R, de Queiroz LP, Skema C, Pennington RT, Hughes CE. Recent assembly of the Cerrado, a neotropical plant diversity hotspot, by in situ evolution of adaptations to fire. Proceedings of the National Academy of Sciences, 106(48), 20359-20364, 2009.
Simon MF, Pennington T. Evidence for adaptation to fire regimes in the tropical savannas of the Brazilian Cerrado. International Journal of Plant Sciences, 173(6): 711-723, 2012.
Talbot V. 2016. Termos de Compromisso: Histórico e Perspectivas como Estratégia para a Gestão de Conflitos em Unidades de Conservação Federais. Dissertação (Mestrado Profissional Biodiversidade em Unidades de Conservação). Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 208p.
Van Wagtendonk JW. The history and evolution of wildland fire use. Fire Ecology, 3(2): 3-17, 2007.
Downloads
Publicado
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2021 Biodiversidade Brasileira - BioBrasil
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
Os artigos estão licenciados sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0). O acesso é livre e gratuito para download e leitura, ou seja, é permitido copiar e redistribuir o material em qualquer mídia ou formato.